Leitoras com Swag

Hey garotas, beliebers ou não beliebers. Só estava faltando você aqui! Nesse blog, eu, Isabelle, faço IMAGINE BELIEBERS/ FANFICS. Desde o começo venho avisar que não terá partes hots nas Fics, em nenhuma. Repito, eu faço 'Imagine Belieber' não Imagine belieber Hot. A opinião da autora - Eu, Isabelle - não será mudada. Ficarei grata se vocês conversarem comigo e todas são bem vindas aqui no blog. Deixem o twitter pra eu poder seguir vocês e mais. Aqui a retardatice e a loucura é comum, então não liguem. Entrem e façam a festa.
" O amor não vem de beijos quentes. Nem de amassos apertados. Ele vem das pequenas e carinhosas atitudes."- Deixa Acontecer Naturalmente Facebook.
Lembrem-se disso. Boa leitura :)

Com amor, Isabelle.

terça-feira, 26 de maio de 2020

One Time 7


Ele estava furioso, eu podia sentir aquela vibração ser transmitida através de seu corpo para o meu onde nos tocávamos. No caso, eu me grudava às suas costas para suportar a viagem de volta a casa, ainda lidando eu mesma com os efeitos do nosso embate.

Conseguia distinguir um pouco da minha própria raiva entre as emoções no fundo do estômago. Estávamos encerrando aquele dia impecável com perfeição, e sem aquela interrupção inconveniente eu tinha certeza de que passaríamos boas horas admirando as estrelas entre caricias e trivialidades. Xinguei o grupo mais uma vez em minha mente.
Por outro lado, também havia aquela sensação gelada correndo nas veias. Desde que chegamos no Canadá não havíamos sido importunados por prováveis inimigos de Justin. Isso se devia ao nome dos Cavanagh e sua própria reputação. Eu me perguntava o que havia mudado para que homens tão despreparados ousassem enfrentá-lo. E se aquilo viraria um costume. Apertei sua cintura com mais força ao relembrar um dos homens me chamar pelo nome.
Visto que o clima não estava dos melhores e a ausência de palavras que me indicassem o contrário, eu esperava — deprimida —que Justin estivesse me levando de volta para a casa da sua família. Então fiquei bastante surpresa quando parou em frente à sua porta.
Segurei sua mão para descer, alongando o corpo rígido a ponto de estalar os ossos. Comecei a rodar a cabeça em meia lua para alongar o pescoço, mas parei logo no início, tonta. O amiguinho de Justin provavelmente chutara minha cabeça e ela ainda latejava por isso. Justin, encostado na moto, me observava muito sério, imerso em seus pensamentos enquanto passava a ponta do dedão no lábio distraidamente.
— Vou colocar Jazmyn e Jaxon em alguma modalidade de artes marciais. — Anunciou, perscrutando minha reação.
Eu massageei meus ombros, pensando. A decisão por óbvio devia ser motivada pelo último acontecimento. Eu só queria garantir que com o intuito certo.
— Hmm... Por que? Não acha melhor perguntar a eles se desejam?
Ele balançou a cabeça em negativa de modo breve.
— Não é um assunto que admita interferência infantil.
Estreitei os olhos.
— Não foi por isso que tirou eles de Boston? Para que tivessem escolha?
Minhas palavras aprofundaram sua carranca.
— São coisas diferentes, Faith. Quero que eles aprendam a se defender. Se você está aprendendo por que eles não poderiam? — Arqueou uma sobrancelha incisiva — Não é como se eu fosse treiná-los para virarem o que eu sou. — A repulsa ficou evidente em sua entonação.
Não gostei do tom que falara de si mesmo e me aproximei, tomando sua mão. Ele desviou o rosto.
— Como assim “o que você é”?
Ele bufou pelo nariz, deixando evidente que não achava ser um fato contestável, e que se eu me atrevesse a sugerir o contrário estaria mentindo. Apesar disso, protestaria se antes não tivesse visto o leve hematoma em sua bochecha esquerda minimamente inchada.
— Você está bem? — Perguntei ansiosa, afagando o local com delicadeza. Percebi que não havia parado para lhe perguntar isso ou checar seu estado físico. Meu subconsciente devia mesmo considerá-lo imortal.
Ele afastou minha mão de sua bochecha, tomando-a outra vez na sua. Enfim devolveu meu olhar, mas não foi nada tranquilizador. Bem visível em sua íris estava aquele lençol impenetrável que o protegia do mundo exterior.
Tive medo, a ponto de parar de respirar. Ele não se isolava daquela forma de mim. Não desde... Desde que havíamos reatado.
— Estou. — Disse inflexível — E você? — Analisou-me dos pés a cabeça pela segunda vez na noite, um vinco sutil surgindo entre as sobrancelhas quando parou o olhar em meu pescoço.
Assenti, incapaz de falar alguma coisa por não saber como minha voz soaria. Não queria que ele percebesse meu temor, covarde o bastante para não desejar concretizar as palavras. Queria segurar a névoa do dia mais um pouco enquanto ainda restava alguma coisa dela.
Não queria aceitar que depois de todos os nossos esforços retornávamos aquele ponto. Talvez até mesmo um pouco mais atrás. Mas no fundo, eu sabia que havia alguma coisa suspeita acontecendo por baixo daqueles fios castanhos. E, pior, que escolhera esconder de mim.

Eu recuei o máximo que podia, protegendo Jazmyn e Jaxon com meu corpo a ponto de esmagá-los atrás de mim contra o fim do beco. Estávamos cercados por dois grupos, cinco pessoas à direita lideradas por Elliot Cavanagh, o diretor da empregadora atual de Justin; e cinco pessoas à esquerda comandadas por ninguém mais ninguém menos que George Bieber, meu maior pesadelo. Um passo à frente deles, porém, e bem no centro, estava Justin.
— Faith. — Chamou-me com doçura ao extremo — Venha. — Estendeu-me a mão.
O efeito foi contrário ao desejo do meu corpo - com o impulso de encurtar a distância entre nós. Meu cérebro disparou o alarme para que eu fugisse. Bem, para onde? Jaxon se remexeu atrás de mim, tentando chegar até o irmão. Firmei meu braço ao redor de seu corpinho, com a sensação de que ouvia meus batimentos cardíacos.
— Mas mamãe, é o papai! — Ele protestou.
Tentei entender o cenário. Por que ele não estava ao nosso lado? Aliás, por que eu hesitava em atender seu chamado? Meu corpo estava travado, alguma coisa na postura dele não estava certa. O fato de estar mais próximo deles e totalmente confortável em lhes dar as costas contribuía para o julgamento, uma vez que é princípio básico de sobrevivência não dar as costas ao inimigo.
Mas era, principalmente, seu olhar. Revestia-se de uma máscara inalcançável, lembrava-me muito de sua fachada profissional, a quilômetros de distância de seus sentimentos, apresentando naquele momento uma persuasão nociva. 
Justin sorriu diante da voz de Jaxon, satisfeito. A meia luz de um poste próximo deixava uma sombra sinistra em seu rosto. Seus olhos dourados, por outro lado, pareciam atravessar meus ossos, penetrantes e perigosos. Qualquer respiração que eu desse seria captada por ele.
Engoli em seco, estreitando os olhos para os lados e ao mesmo tempo tentando não deixá-los fora do meu campo de visão. Não havia uma arma possível a vista. Nada. Decidi que eu poderia até cair, mas o faria lutando. Encarei George, Elliot e por fim Justin, feroz feito galinha defendendo seus ovos. Eu não conseguia distinguir para qual lado estava sua lealdade. Tinha a impressão de que não pertencia a ninguém. Nem a ele mesmo.
Tremendo igual vara verde, o suor gotejando em minha testa e axilas, os observei darem passos decididos à frente. E, como se fosse atingida por uma facada no estômago, reconheci que era Justin quem conduzia os dois grupos.
Acordei arquejante, os lençóis úmidos do suor pegajoso que cobria minha pele. Apesar de estar transpirando às bicas, eu sentia frio, que vinha de dentro para fora. Não precisei pensar muito para saber que isso se devia ao sonho e me esforcei para expulsar a sensação terrível.
 "Bom dia, J. Está tudo bem?" Mandei a mensagem, desejando ardentemente que ele ajudasse a aplacar minha angústia.
Acabei me atentando bem mais às tarefas universitárias de prestar atenção no professor, fazer anotações e responder aos exercícios, sedenta pela distração. Em certo ponto, as aulas serem de período integral era até uma benção.
Também significava lidar com o drama Ava, Ethan e Lucas, mas nada insuportável. Ava me contara no dia anterior, entre suspiros de deleite, sobre o beijo que recebera de Ethan no cinema, e desde então ambos se cumprimentavam com muito mais carinho, mal tirando os olhos um do outro. Sairiam novamente na sexta feira, dessa vez só os dois. Como consequência, o humor de Lucas não estava dos melhores, isso quando ele fazia o sacrifício de estar ao nosso lado. Coloquei na minha lista de afazeres uma forma de animá-lo.
— Você pode refogar as cebolas, querida? — Pattie pediu com gentileza quando cheguei na cozinha para ajudar depois da aula. Bruce ficara em casa, responsável pelos nossos pestinhas.
— Claro. — Terminei de amarrar meu avental e ajustei a touca, pegando as três cebolas que me estendia.
Além de nós duas estavam seus dois auxiliares contratados: Ariana, uma canadense de aproximadamente trinta anos, alta e esguia, preta, cabelos crespos escondidos pela touca branca e traços largos magníficos no rosto; e Dilan, em seus quarenta anos, branco como uma folha de papel, corpulento e meio carrancudo. Ariana era uma ótima colega de trabalho, solícita e paciente, por outro lado, Dilan era um pouco mais complicado de lidar, levava a arte de cozinhar tão a sério que não aprovava a presença de leigos no ofício. A minha, no caso. Embora não me dissesse nada, eu percebia suas caretas de reprovação às minhas tentativas patéticas — mas esforçadas — de ajudar.
A maior dificuldade em picotar cebolas está na ardência inevitável provocada em nossos olhos. Eu piscava com força para conter as lágrimas, mas em minutos estas corriam teimosas por minha bochecha. Enxuguei o rosto na minha manga constantemente, arrancando risos de Pattie, pairando ao meu lado enquanto misturava alguns ingredientes, de aroma bem apetitoso, na panela.
— Justin não está sendo bonzinho com você? — Provocou-me, brincalhona.
Eu ri, balançando a cabeça.
— Está precisando de uma bronca da mãe. — Entrei na brincadeira.
Passamos alguns segundos imersas na sensação agradável de descontração, ao passo que eu imaginava com um prazer maldoso, Justin cabisbaixo levando uma bronca de Pattie, que apontava um dedo rijo acusatório em sua direção.
— As crianças estão até que animadas com à aula de Krav Maga. — Pattie comentou casualmente, mas identifiquei o leve incômodo na sua voz.
— É mesmo? — Disse de modo vago. Justin não perdera tempo em anunciar a intenção no jantar daquele mesmo dia, recebendo gritinhos empolgados dos irmãos e olhares hesitantes do restante da família.
— Eles se espelham muito em vocês, e sabem que você, Justin, Caitlin e Ryan sabem lutar.
Era verdade — ainda que eu parecesse uma criança de dois anos perto dos profissionais que eles eram —, já havíamos feito demonstrações gratuitas e despretensiosas na frente deles. Principalmente quando Justin me provocava o lado animal.
— De qualquer forma, qualquer coisa que Justin dissesse seria levado como lei absoluta. Eles o adoram.
Nós entendíamos muito bem o motivo, até onde eles sabiam, Justin era seu único parente de sangue, e para crianças que cresceram em um orfanato, era um privilégio e tanto conviver com uma figura como ele. Seu irmão mais velho do mesmo pai.
— Você acha que.... — ela lutou com as palavras — ele... hm... ele sabe disso?
— Ah, creio que sim. Os dois deixam muito claro seus sentimentos. — Jaxon literalmente se pendurava na perna de Justin quando ele tinha que ir embora algumas vezes. Eu gostaria de poder fazer o mesmo.
— Hm, bem, creio que sim. — Falou, resignada.
Estreitei os olhos para ela, sabia que ainda não chegara ao ponto que queria. Com um suspiro final, se rendeu.
— Você acha que ele gostaria que eles se tornassem como ele?
Neguei imediatamente, depois de entender o que queria dizer.
— Eu sei que não. Justin só sabe que não vai conseguir protegê-los para sempre, e, além de todos os perigos naturais, eles tem o — destaquei  sobrenome. Ironicamente, é o que os protege hoje, então ainda não dá pra mudar. Mas pode ser um risco amanhã. — Me perguntei se deixara transparecer o desânimo que sentia quando concluí a frase. Funguei, banhada em lágrimas involuntárias.
— Você sabe se... Não acha que ele desistiu, não é? — Sua voz mal passava de um sussurro.
Justin amava e confiava em Patricia, mas tinha dificuldades em se expressar para as pessoas. Por toda nossa história normalmente ele se abria mais comigo, Ryan e Caitlin logo atrás. Não era incomum então que Patricia me procurasse para tentar entender um pouco mais do que se passava na cabeça do filho. Para ser justa, eu mesma cheguei a ter aquela dúvida.
— Não. Ele não desistiu. Disse que está complicado fazer alguma coisa muito brusca sem colocar o próprio pescoço numa corda. — Apesar do meu tom casual, um breve arrepio desceu por minha espinha. Eu sabia bem como as coisas poderiam dar errado, e se pensasse muito naquilo não viveria em paz.
Senti o peso leve do meu celular no bolso de trás da calça, repentinamente inquieta com sua ausência de resposta à minha mensagem. Justin era péssimo com o celular, o que dava para entender, mas não a ponto de melhorar muito as coisas.
— Eu temo por ele todos os dias. — Agora ela tampava a panela e passava ao balcão para picar agilmente pimentão.
Passei as cebolas para uma panela grande com óleo, liguei uma das bocas do fogão e mexi com a grande colher de pau, os olhos bem atentos no trabalho para deixá-la confortável em falar.
— A sensação é horrível, um pouco diferente de quando o perdi, mas não tanto assim. Agora ele está aqui, próximo, e corre os mesmo perigos de quando não me conhecia. — Arrisquei uma espiada em sua direção, dotada de compaixão.
Eu mal podia imaginar como ela devia se sentir sendo sua mãe, aquela que o gerara no próprio ventre e era assaltada por fortes instintos de proteção à ele. A sensação de impotência devia ser praticamente insuportável. Pattie mantinha o olhar no pimentão, embora eu soubesse que não o via. Ariana e Dilan estavam a todo vapor atrás de nós, eu ouvia os talheres batendo, o fogo do outro fogão e demais sons comuns numa cozinha. 
— Me diga uma coisa querida... Eu nunca cheguei a lhe perguntar, mas sei que aconteceu e gostaria de saber de você. — Inspirou fundo, num gesto encorajador e interrompeu o trabalho para concentrar a atenção em mim. Seus traços delicados formando um pedido de desculpa — Como foi achar que... que ele havia falecido?
De início estava apenas surpresa com a pergunta, em seguida fui tomada por um misto de emoções oriundos do fundo do estômago. Eu não me esquecia daqueles meses em Minnesota, mas fazia um esforço considerável para esquecê-los. Lembrava-me claramente da grande sensação de vazio que parecia engolir todos os meus órgãos, me transformando numa versão de mim mesma completamente perturbadora. Eu me refugiava em álcool e qualquer outra coisa que pudesse me distrair, me afastara dos meus pais por culpá-los, e o pior de todos: me distanciara do Único de quem eu realmente precisava para viver, Deus. Praticamente paralisada num estupor, não tinha ao menos a capacidade de chorar para me aliviar, e a noite em que o choro veio a tona, na cabana de Ryan e Justin, pensei que morreria de desidratação, já que não conseguia fazer cessar o pranto.
Pattie notou meu braço arrepiado, e quando dei por mim, ela já havia lavado as mãos e passado um braço ao redor da minha cintura. Estremeci e forcei um sorrisinho. Vi minha dor refletir em sua própria expressão.
— Não precisa dizer. Posso imaginar. — Beijou meu braço e esfregou o outro, confortando-me — Eu daria tudo para protegê-lo — Sua voz soou trêmula e ela pigarreou — Deveria ter fugido de Jeremy antes. Devia saber o que aquilo significava, mas eu estava tão convencida de que poderia mudá-lo e viveríamos como uma família feliz... — Murmurou com amargura, arqueando as sobrancelhas e repuxando o lábio como se zombasse de si mesma.
— Não foi culpa sua. — retruquei depois de engolir em seco, mesmo assim minha voz saiu baixinha.
Ainda sob o efeito das lembranças que sua pergunta havia arrastado para mim, consegui me identificar um pouco com sua história. Tive que abrir mão de várias coisas para estar com Justin e continuava lutando, com a ideia de que conseguiríamos nos estabilizar algum dia, assim como o próprio. Negar "sua natureza", a princípio, foi o que gerara toda aquela confusão. Mas Justin não era como Jeremy, e já havia provado diversas vezes o coração bom que tinha. Ele não merecia e nem queria viver naquele meio sanguinário.
 Uma voz fraca e inconveniente em minha mente soprou: você não conheceu Jeremy e o que a faz pensar ser mais esperta do que Pattie?
— Bom, eu estava apaixonada. — Deu de ombros, naquela aceitação relutante de que o passado não pode ser mudado — E quando abri os olhos já era tarde demais. O pobrezinho teve que pagar por isso, então não sei até que ponto é bom que Justin seja diferente dos Biebers. Porque você sabe, ele é diferente. — Concluiu com certo orgulho permeado na tristeza.
Relaxei um pouco, aliviada que tivesse lido meus pensamentos. Então não era somente fruto da minha vontade. Pattie conhecia os Biebers, ela podia fazer aquela afirmação.
— E ele tem você. — Jogou a mim seus olhos azuis cheios de carinho. — Você detém uma ótima influência sobre ele, Faith. Sou muito grata por isso. Não poderia pensar em uma nora melhor.
Os efeitos da cebola voltaram a atacar minhas glândulas lacrimais. Engoli com certo esforço o nó na garganta, devolvendo seu sorriso terno. Percebendo a cebola refogada, Pattie pegou a vasilha grande e redonda de frango cortado e jogou na panela, assumindo meu lugar para mexer a colher enquanto me pedia para fatiar o bacon.
— Eu sei que é egoísta da minha parte... — ela estava mais séria agora, a testa vincando. Evitou momentaneamente meus olhos — mas eu gostaria de pedir para que não desistisse dele. Eu sei que também deve levar em conta seu próprio bem, e não duvide de que também prezo muito por ele — garantiu de modo enfático —, eu só quero dizer que... Enquanto você puder, sem nunca se anular por isso, fique, por favor? — O apelo ficou claro quando se voltou para mim a voz baixa não diminuía em nada sua força, o rosto todo se franzia como complemento.
— Eu não planejo ir para lugar algum. — Garanti e desfrutei do alívio desanuviando sua expressão.
Depois daquela surra de fortes emoções, voltamos a uma conversa um pouco mais tranquila sobre CSI — eu me orgulhava do feito de convencer Pattie a assistir a série, e estava sendo uma boa guia aos tramas emblemáticos, sem spoiler, claro. Assim que terminamos os preparativos iniciais, escapuli da cozinha, eu não me atrevia a fazer experimentos com os pratos dos clientes, e assumi meu posto como garçonete. Troquei de avental vagamente imaginando a cara de Eleanor se me visse servindo mesas e sorri ao visualizar seus olhos pularem fora das órbitas, ela com certeza gritaria que não havia me gerado para aquilo.
Só para garantir, conferi meu celular a procura de mensagens do meu namorado desaparecido. Lembrar-me dos tempos em Minneapolis redobrara minha inquietação. Como não havia nada, respirei fundo, guardei-o novamente no bolso e peguei o celular do restaurante para anotar pedidos.
— Eu vou na dois e você na quatro? — Liam, um dos garçons de Pattie chegara ao meu lado já equipado com seus instrumentos de trabalho, sempre muito dedicado. Pele bronzeada, nariz longo e reto, barba aparada, cabelos castanhos meticulosamente penteados para trás e o sorriso branco discreto faziam o sucesso da clientela feminina.
— Claro!
Saí logo atrás dele, seguindo para a mesa destinada. Identifiquei os olhos de jabuticaba antes mesmo que ele acenasse para mim, a barba e o bigode tão característicos ainda estavam ali, como se eu precisasse de mais para reconhecê-lo. Ergui uma sobrancelha.
— Roger? — Cumprimentei com cortesia, já dando olá para a minha paranoia também. 
— Senhorita-do-parque! Acho que ainda não sei seu nome. — Murmurou com sua voz grave, quase um trovão produzido por cordas vocais. 
Pensei um pouco antes de fornecer a informação. Mas, bem, se fosse alguém me seguindo, já saberia meu nome, certo?
— Faith. Faith Evans. 
— É um prazer, Faith Evans. — Inclinou a cabeça em minha direção, tirando um chapéu cinza da cabeça. 
— Igualmente. O senhor deve morar aqui perto, então? Segundo encontro em poucos dias.... Se bem que não me lembro de tê-lo visto antes. — Investiguei, astuta.
— Ah — Abanou com a mão — Acabei de me mudar, moro duas ruas para trás. E como está a garotinha? Jazzy? — Indagou em dúvida. 
— Bem, obrigada. — Agucei meu olhar. Então ele se lembrava do nome dela, huh? Estaria ali para vê-la? Um empregado de George? — O senhor já decidiu o pedido?
— Hm, sim! — Esquadrinhou o cardápio em suas mãos, passando um dedo sobre ele para ser específico — Pode ser salmão BC e BloodyCaesar? — Notei o brilho curioso e ansioso em seu rosto tão comum entre os clientes ao solicitarem um prato, naquela expectativa para experimentar e a fome para aplacar. 
— Claro. — Anotei o pedido, mal tirando os olhos dele — Volto já. 
— Obrigado. — Fechou o cardápio, satisfeito, e acomodou-se na cadeira.  
Afastei-me refletindo se deveria informar Justin daquela aparição. Ele me parecera menos suspeito, não fora agressivo nem nada, e eu planejava manter a atenção nele no resto da noite obviamente, mas, da última vez que pensei sozinha sobre uma situação daquela, Justin dera um breve surto. Sem mais clientes para atender, escondi-me atrás do balcão e fiz a ligação. Aguardei a chamada 1.... 2.... 3.... 4 .... 5 .... toques até que caísse. Ele não me deixava exatamente uma escolha então, olhei de esguelha para nosso cliente do outro lado do recinto, parecendo bem inocente enquanto mexia distraidamente no aparelho celular, se Justin não me retornasse até o fim do expediente, eu iria para sua casa. E.... tudo bem, para não haver dúvidas de que eu tentara, lhe mandaria uma mensagem avisando que estava indo. 
— Faith? — Virei-me para Liam, corando instantaneamente de vergonha por ser flagrada usando o celular no meio do trabalho, mas ele não parecia aborrecido. Apontou para o homem atrás de si que só então reparei — Esse senhor quer falar com você. — Passado o recado, nos deu privacidade para atender o cliente que havia acabado de chegar. 
Usando um terno fino grafite que combinava com seus olhos cinzentos, o homem de semblante tranquilo, cabelos curtos espetados, praticamente o dobro da minha altura, assentiu para mim. 
— Sou membro dos Cavanagh. Alguma coisa está lhe incomodando? Aquele senhor? — Ele gesticulou disfarçadamente com a cabeça em direção a Roger, demonstrando com a postura clara aptidão para o resultado da minha resposta. 
Engasguei. Eu nunca havia falado com um dos colegas de Justin, os seguranças que eles mandavam — que até aquele momento eu não sabia se era lenda — não se deixavam notar, e eu muito menos tentava com afinco encontrá-los. A novidade me deixou em um momento de choque, até perceber que, embora Justin houvesse desaparecido como sempre, deixara os Cavanagh mais atentos quanto a nossa segurança pelo pequeno incidente da semana. 
Meu instinto imediato foi negar. Aquele homem, que não me dissera ao menos seu nome, tinha uma calma quase aterrorizadora. Eu conhecia muito bem aquele tipo de tranquilidade, do tipo de quem não teme seu destino e planeja assassinatos com a mesma naturalidade que eu preparava meu café da manhã.
— Não... é um... conhecido. Eu estava — levantei o celular, sentindo que o sangue fugira do meu rosto — ligando para o Justin só pra avisar que o vi. 
— Tem certeza? — Ele olhou com desconfiança por sobre o ombro para a mesa de um Roger entretido. 
— Sim, tenho. — Procurei ser mais firme. Realmente não estava com medo de Roger, e pelo menos, se ele tentasse me fazer mal o grandalhão estaria por perto. Se minha resposta fosse diferente, entretanto, eu não podia prever o que ele faria. 
Ele assentiu e apontou para uma mesa próxima à cozinha. 
— Estarei ali, caso precisar. 
Quase no automático, concordei com a cabeça, ansiosa para que ele se afastasse de mim com seus braços e pernas enormes. Assim que foi feito, soltei a respiração que nem percebia que prendia. Fechei e abri as mãos trêmulas, e me ocorreu que o que me deixava mais nervosa era topar com um assassino depois de tanto tempo sem lidar com a raça. 
Bem, Justin não contava. Franzi o cenho para o pensamento. 
Virei as costas para a mesa, preocupando-me com outro ponto: será que ele podia perceber em minha postura que eu e Justin estávamos tramando para acabar com o contrato? A mentira não era bem meu forte. 
Inspirei, seria uma noite e tanto.  

sexta-feira, 15 de maio de 2020

One Time 6

Apeei um pouco desajeitada pela falta de prática e segurei as rédeas do cavalo, um alazão musculoso, direcionando-o para os estábulos. A claridade sucumbia gradualmente a chegada da noite, despedindo-se de uma tarde extremamente agradável de montaria. Justin organizara uma lista de lugares a me mostrar no decorrer do dia, pela manhã aproveitamos o parque para uma conversa tranquila, na qual fui desafiada a subir em árvores com ele — não caí dessa vez — banhados de olhares julgadores dos passantes. Almoçamos no Mc Donald's e ele mesmo pediu para acrescentar picles no meu lanche, e em seguida me levara a Sociedade Hípica da cidade, onde tive a oportunidade de conhecer Gideon, um animal muito simpático que me permitiu montá-lo durante horas. 
Eu havia dito a Justin que precisávamos de um tempo só nosso e ele o usara para resgatar nossas raízes. O modo como nossa sintonia estava ao fim do dia mostrara ser uma estratégia eficaz. Sentia que nossas células se comunicavam mesmo distantes, da forma que deveria ser para sempre. 
— E o Gideon já faz falta. — Lamentei, montando na moto atrás dele, portava orgulhosamente o capacete em minha cabeça. Sã o bastante para lutar por ele, não fora tão difícil assim conseguir. 
Bem humorado, tomado pelo mesmo espírito animador que uma relação sólida e segura trazia, ele emitiu um ruído grave na garganta. 
— Voltaremos mais vezes. — Garantiu, ignorando a crítica indireta ao seu veículo. — Aguenta mais uma parada? — Inclinou levemente o rosto na minha direção e eu pude ver um sorrisinho repuxar o canto da sua boca. 
A empolgação pipocando em sua face deixou meu estômago agitado de ansiedade — além do nervosismo por estar mais uma vez em cima do monstro dirigível. 
— Com você? Para qualquer lugar. — Agarrei feliz sua cintura, encostando o capacete nas suas costas e confiando-lhe, literalmente, meu futuro. 
A viagem fora extremamente longa, praticamente um teste para os meus nervos. Eu tinha a impressão de que passara horas com os músculos rijos a ponto de receber dores latejantes como retribuição dos mesmos. Sentia-me como uma criança irritante, perguntando diversas vezes se já estávamos chegando. Não estávamos mais em Toronto, passamos por uma ponte em Burlington e chegamos em Hamilton, seguindo pela estrada até nos distanciarmos da civilização, o trânsito diminuiu até estar praticamente nulo, e árvores nos ladeavam a cada esquina, não que houvessem muitas esquinas. Finalmente chegamos ao estacionamento, onde recebíamos uma folga da mãe natureza, abrindo espaço para o campo aberto enfeitado com algumas copas que precedia o rio imenso. Binbrook Tract Conservation Area, eu havia lido em uma placa. 
Justin mesmo se encarregou de domar meus fios rebeldes quando tirei o capacete, suspirando de prazer ao pisar em terra firme. Acariciou meu rosto com doçura ao passo que fitava concentrado meu rosto, uma ruguinha julgadora entre suas sobrancelhas. 
— Você sempre fica pálida. — Comentou, achando graça. Se eu não soubesse o quanto estimava aquele tipo de transporte, diria que insistia em me botar nele apenas por seu próprio divertimento. 
— Mal posso imaginar o motivo. — Disse, expressando o leve toque de irritação. Isso só o fez achar mais graça. 
A noite já predominava, sua presença intimidadora por todos os lados, tendo em vista a escassez de luz artificial, um poste ou outro ostentavam lâmpadas pequenas, deixando a maior parte do trabalho para o céu. A nossa volta esparsas árvores apresentavam seus galhos secos emaranhados semelhantes a garras em troncos gigantes. Parecia o local ideal de se gravar filmes de terror, ótimo para esconder corpos também. O arrepio que desceu por minha espinha se devia em parte ao frio que o ambiente proporcionava. 
Justin passou o braço sobre meus ombros, puxando-me para si ao perceber que estremeci.
— Impressão minha ou você está levemente assustada, Faith? — Perguntou, divertido. 
— Bem, nem todos nós somos invencíveis. Algumas pessoas são simplesmente humanas. 
Aconcheguei-me no calor de seu corpo, imaginando se ele tinha a mínima noção de como me sentia protegida em seus braços. Quase nem me importava mais onde estávamos.  
— Pode ser, mas não você.
— Eu não sou humana? — Olhei para seu rosto, intrigada. Não conseguia pensar em nenhuma característica minha que me tornasse diferente do que uma garotinha de dez anos com medo de escuro. 
— Você também é invencível. — Afirmou, convicto — Muito teimosa para morrer. — Franziu a face, como se me repreendesse por alguma travessura. 
— Obrigada? — Agradeci em tom de dúvida. Provocando sua risadinha. 
Seu rosto todo sorriu para mim. 
— Eu quem agradeço. — Piscou e se inclinou para me dar um beijo de leve. 
Parei de andar quando ele estagnou no meio daquela espécie de campina, a nossa frente a água tremeluzia escura como petróleo. 
— Não trouxe uma toalha, você se importa em deitar no chão?
Apenas olhei para ele e me sentei, Justin sabia que eu não tinha nenhum tipo de frescura, mas confesso que naquela ocasião eu gostaria de ter algum tecido além da minha roupa entre mim e a grama gelada. Esperei que ele se sentasse também antes de me deitar, para que me recostasse alegremente em seu peito. Quando o fiz, arquejei. 
— Justin..... — Gaguejei, boquiaberta. 
Eu não havia reparado no céu de forma direta desde que deixamos a Sociedade Hípica, ali ele se estendia escuro sim, mas salpicado de milhares de estrelas, mais aglomeradas em alguns cantos, a ponto de ser pintado em diferentes tons de azul, me despertava o desejo de alcançá-las para segurar em minha mão como se fossem pequenos cristais reluzentes. 
— Reparei que você não tem olhado muito as estrelas ultimamente, então pensei que seria importante resgatar essa parte de você. 
Era verdade, eu não tinha mais o costume de admirar os corpos celestes desde que... Bom, desde que eu pensei que ele havia morrido ano retrasado. A lembrança me devolveu os calafrios e eu agarrei a frente de sua camiseta para senti-lo fisicamente ali. 
— Sim... Elas são... perfeitas. Obrigada. — Minha voz saiu embargada e eu sabia que era a mistura de todas as emoções que transcorriam pelo meu sangue a responsável. 
— Consegue distinguir algumas das que nomeou?
Investiguei a fundo minhas velhas conhecidas, não que tivesse tirado meus olhos dali desde que vira aquela paisagem insigne. 
— Ah... Nunca vi tantas juntas assim, então pode ser que as confunda. Mas... Tenho a impressão de que aquela ali é uma bem especial. — Apontei. 
No entanto, não tinha como ele saber de qual eu estava falando, eram muitas e tão unidas como se fossem melhores amigas. Senti outra coisa despertar no fundo do meu âmago, a vontade de eternizar aquela visão em um quadro. Peguei meu celular para capturar um registro além da minha memória. 
— Sei. Qual é o nome?
— Faithin. Se lembra? — Olhei de esguelha para seu rosto e recebi a resposta em seus olhos sorridentes, sim, ele se lembrava. 
— Como poderia esquecer? — sua mão subiu pelas minhas costas para minha nuca, onde enterrou os dedos em meus cabelos, puxando minha cabeça ligeiramente para trás a fim de fitar meu rosto. Suspirou, ficando sério de repente. — É curioso, Faith, nenhuma paisagem que eu coloquei meus olhos conseguiu superar sua magnificência. São tantas características... — o dedo indicador de sua mão esquerda trilhou um caminho por meu rosto, delineando minhas formas — tantos detalhes que se completam com perfeição.
Fiquei presa em seus olhos, eu mesma entendia muito bem o que ele dizia quando se tratava de seus próprios traços e quis devolver o elogio, mas estava engasgada com sentimentos. Não aguentei esperar muito mais e me inclinei para sua boca macia e receptiva, movendo meus lábios sobre os dele devagar, encontrando o encaixe perfeito que tinham. Ele passou a mão por baixo do meu blusão, puxando-me mais para cima do seu corpo, e eu me arrepiei com o contato de seus dedos gelados na minha pele, não podendo culpar a temperatura por isso. Empolgada, abri espaço, sem dificuldade, para minha língua em sua boca e tive certeza que uma cascavel se contorcia em minhas tripas ao passo que ele subia a mão até o meio das minhas costas. Mordisquei seu lábio enquanto acariciava seu cabelo, tomando cuidado para  não machucá-lo. 
Repreendi-me quando Justin paralisou, já formulando desculpas pela força da mordida. Porém, antes que eu pudesse fazer alguma coisa, tornei-me uma boneca de trapos em suas mãos fortes, no próximo segundo, e sem saber como aquilo ocorrera, eu estava em pé e atrás do seu corpo, virada de costas para o lago com o coração aos pulos. Ele segurava minha cintura para garantir que eu não me moveria, com o braço estendido atrás de si. 
— Vocês podem sair agora ou eu irei buscá-los. — Disse em voz alta para um montinho de árvores isoladas, firme e muito calmo.
— O que você... — Comecei a perguntar, aos sussurros, perplexa, antes que apertasse minha cintura, interrompendo-me. 
Apertei os olhos para ver o que ele via, mas mal conseguia distinguir os galhos nos troncos. Por outro lado, ouvi um breve farfalhar atrás de mim. Estávamos no meio de um circulo de árvores esparsas, montinhos isolados que formavam as pontas de uma estrela. Do canto superior direito saiu uma forma escura, adentrando nossa campina. Apertei o braço de Justin que eu segurava sem perceber como um alerta e ele mal inclinou a cabeça naquela direção, também havia ouvido. Lentamente, mudou nossa disposição no espaço, para que tivesse visão dos dois lados sem dar as costas para algum deles. 
Percebi que das sombras que Justin conversava também saía mais alguém. Depois, da árvore à nossa frente mais um, e atrás de mim outro, um cerco perfeito. Ele teria que ficar de costas para alguém. Deu uma pequena volta, sempre comigo em seu encalço, para analisar a situação. Quatro homens, dois provavelmente estavam acima do peso, levando em conta os tamanhos, os outros dois gastavam algum tempo se exercitando. Todos altos, e de nenhum eu tinha visão do rosto, eu não sabia se isso me deixava mais tensa. Justin escolheu deixar as costas para um dos sobrepeso, decidido a encarar o primeiro a se anunciar em nosso ponto de paz, o qual movia-se com tamanha elegância e parou a uma distância maior de nós do que os outros. 
— Bieber, não havia necessidade disso agora, eu esperaria com todo o prazer que terminasse seus assuntos. — A voz grave soara diplomática, simpática, mas os músculos de Justin se endureceram de ódio como se ele tivesse lhe insultado. 
— Brown, não precisava se dar ao trabalho de facilitar meu trabalho, eu mesmo poderia ir até você. — Justin respondeu, igualmente cordial. 
Trabalho? Então aquele era um de seus alvos, provavelmente. Estava demorando muito mesmo para aquilo acontecer, eu sabia que uma hora ou outra eu ou sua família nos tornaríamos dano colateral, e acho que alguma parte dele também sabia daquilo. Não era a toa que o mesmo se encarregara de me treinar com defesa pessoal e até algumas aulas de tiro. Ryan e Caitlin substituíam seu posto quando ele se ausentava. Mas aula e prática são coisas totalmente diferentes, eu sabia por experiência própria. Supondo que eu estivesse a mesma altura que aqueles homens em habilidade, eles ainda estavam em número maior. Dois para cada. 
Engoli em seco. Contanto que eu não ficasse com os dois armários talvez sobrevivesse. Se implorasse como um gatinho assustado.
— Eu não poderia perder a oportunidade de conhecer a Senhorita Evans. Olá! — Tive a impressão de que ele sorria e desejei que saísse das sombras para que pudesse vê-lo direito. Ou se afundasse nelas e fosse embora. Justin apertou minha cintura possessivamente ao ouvir meu nome.
Percebi que eu me encolhia como se pudesse ficar invisível para que não me vissem, e o reconhecimento de que não estava funcionando me deixou um pouco mais abalada.
Tudo bem, Faith, não é como se você nunca tivesse estado em uma dessas antes. Me acalmei. 
As palavras tiveram efeito reverso, nenhuma das minhas experiências trazia boas lembranças, embora ainda estivéssemos vivos. 
— Pelo contrário Brown, você deveria ter perdido a oportunidade. — A raiva transpareceu nas bordas da educação forçada.
Respirei fundo, tentando afastar o pânico para pensar direito. "Sem ataques óbvios." Derrubá-los com a perna por trás não seria ideal, eles eram muito maiores e fortes do que eu.
"Tente evitar o primeiro contato." Certo, em fugir eu era boa.
"Atinja queixo, garganta, testículos ou olhos, as áreas mais sensíveis." Ótimo, eu andava praticando meus socos. 
"Tenha algum objeto em mão para potencializar seu golpe". 
Apalpei meus bolsos disfarçadamente, eu não tinha nada além do celular. Precisava pegar a chave da moto. Justin a enganchara no cós da calça.
— O senhor está me ameaçando, Bieber, não me deu outra escolha. — Eu podia sentir a conversa chegando ao fim, os homens se aproximaram um pouco mais, quase imperceptivelmente. 
Devagar, desci a mão para a cintura de Justin e avancei para chegar ao cós da calça, ele se retesou, mas não fez nada para me impedir. Sem querer chamar a atenção porém, movi meus dedos como uma lesma. 
— Não é nada pessoal, Brown, o senhor deve entender como funcionam os negócios. 
Só mais um pouquinho....
Afastei o pensamento de que o esforço seria inútil se eles resolvessem lidar com armas. Justin não andava completamente desarmado, mas eu tinha uma vaga noção de que sua arma de estimação devia estar na moto, provavelmente ele estava com algum canivete escondido na jaqueta. 
— Espero que você também entenda. — Ponto final, aquela frase tinha uma entonação de ponto final!
Depressa desenganchei a chave — com alguma dificuldade — da sua calça e a coloquei agilmente entre meus dedos. Pensar em furar a carne de alguém com aquilo me dava náuseas. 
— Sim. — Justin levantou a mão, pedindo um tempo — Mas creio que você tem escrúpulos o suficiente para termos essa conversa depois que ela sair. — Gesticulou com a cabeça para mim, encantador e convincente como uma serpente. — Faith, por que não vai dar uma volta?
Nosso interlocutor forçou uma risada. 
— Ela fica. — murmurou com uma alegria psicopata. 
— Você vai se arrepender disso, Brown. — Justin avisou. 
Eu tive certeza de que não haveria mais papo, então virei-me de costas para ele, encarando as duas ameaças que ficavam por minha conta, ao que parece. Pelo menos eles não apontavam armas para mim, mas avançavam rapidamente na minha direção.
— Faith, eu vou derrubá-los, você corra até a moto e vá embora. — Justin sibilou. 
Planejei retrucar, mas em seguida ele já estava agindo, com uma velocidade inumana e um número de golpes limitado, conseguiu repelir quatro pessoas: três dos nossos agressores e eu. Fui empurrada na direção inversa da que estava e percebi que Brown ainda estava em seu lugar de privilégio, assistindo ao combate. Por uma fração de segundos tive noção de que ele não me deixaria escapar, mas eu tentaria chegar a moto para pegar a arma de Justin. Então corri para a diagonal, apenas para ouvi-lo dizer:
— Não, querida, se eu fosse você não tentaria esse movimento. — A forma astuta que moldou sua voz me fez congelar, eu sentia na minha espinha antes de ver o cano mortal apontado em minha direção. Meu coração bombeou duas fornadas de sangue gelado e eu ouvi Justin praguejar acima do som de carne se chocando. 
Não sabia explicar como, mas um objeto borrado voou como boomerang no ar e atingiu sua mão, fazendo com que derrubasse a arma no chão. Essa era a minha deixa e num surto de adrenalina decidi mergulhar em direção à arma, aproveitando-me da perplexidade de Brown. A vantagem não foi tanta, e chegamos quase ao mesmo tempo a ela, levantei o cotovelo e mirei em seu nariz e ele se desviou por pouco. Num gesto desesperado para que não pusesse as mãos no utensílio maldito, joguei todo o meu corpo contra o dele, e por não esperar tamanha idiotice, caímos os dois feito manga maduram numa confusão de braços e pernas. 
"Tente evitar o primeiro contato". 
O braço dele envolveu meu pescoço enquanto a perna tentava imobilizar a minha, senti a garganta fechar e meus olhos imediatamente lacrimejaram. Sem perder tempo, fechei a mão em punho e dei um soco com toda força em seus testículos, ele tinha sorte que eu havia perdido a chave da moto com todo aquele caos, mas seu gemido de dor angustiante indicava que no momento não se daria conta de privilégio algum. Aproveitei a ocasião para rolar longe do seu corpo, em direção à arma, arquejando tateava pela grama úmida a sua procura às cegas — precisava estar tão escuro assim? —. Meus esforços foram interrompidos quando algo pesado se chocou contra a minha cabeça com brutalidade, eu vi estrelas mesmo tendo certeza de que os olhos estavam fechados e caí de costas. 
Ponderei sinceramente em ficar ali mesmo quando o local atingido começou a berrar, alastrando o latejar por todo o meu cérebro. Molenga, levante-se! Afastei com certo esforço a vertigem e me içei ainda cega em direção aos resmungos constantes de alguém. Quando recobrei os sentidos, notei Justin próximo de mim agachado, o tronco movendo-se repetidamente para baixo, e aquele som....
Engoli a náusea e estremeci com o "clec" final provocado por seus braços puxando os ombros e o queixo de Brown em direções opostas. Ao seu lado, o objeto que usara para repelir a arma da direção: o sapato de alguém. Olhei em volta para procurar pelos outros três, encontrando-os retorcidos no mesmo local que os vira da última vez, agora não tão valentes assim. 
 — Amadores. — Justin murmurou com repúdio, o ódio palpável em sua voz como se ainda pudessem ouvir. 
Levantou-se com elegância, pairando acima de Brown com superioridade por um instante antes de voltar a atenção para mim. Talvez fosse toda a ação ainda fresca, pensei, deparando-me com seu rosto impassível e um olhar duro. Aproximou-me devagar de mim como se eu fosse um bicho imprevisível. 
— Você está bem, Faith? — Indagou com a voz distante, ainda que verificasse por si mesmo, fazendo um inventário do meu corpo. 
Ele me estendeu a mão hesitante quando fiz menção de levantar e a aceitei de bom grado, notando seus nós inchados e vermelhos. A adrenalina começava a baixar e sentia algumas dores pelo corpo: cotovelos, garganta, quadril e o principal: cabeça.
Assenti, sem ter certeza de que conseguiria falar. 
— Vamos embora. — Soltou minha mão assim que me firmei, pegando a chave da moto esquecida bem ao lado de onde meus pés estavam agora. 
Justin deu as costas aos corpos e marchou decidido para longe do que fora ao mesmo tempo nosso refúgio e desgraça em questão de minutos.

segunda-feira, 4 de maio de 2020

One Time 5


— Hm... — Lucas pigarreou — Faith, aquele não é o seu namorado? — Engoliu em seco de modo audível.
Eu o entendia, Justin naturalmente era intimidador, sua expressão impassível não ajudava muito. E querendo ou não Lucas fora flagrado com as mãos em mim, ainda que de maneira inocente. Esse combo deixava meu amigo quase pálido. Sorri, mostrando os dentes, ainda que somente para tranquilizá-lo quanto a situação. Na verdade, eu mesma sentia-me aborrecida com Justin. O que ele estava fazendo no shopping? Esperava que trabalhando. Abafei a animosidade para não criar uma cena na frente de Lucas.
— Sim! — Respondi, uma parte da minha animação era genuína. O coração batia com mais força, vê-lo assim de surpresa redobrava o prazer de apreciar sua cara ridiculamente perfeita. Deus, eu nunca me acostumaria com o privilégio de ser sua namorada — Venha cumprimentá-lo.
Lucas titubeou, era evidente sua indisposição em aproximar-se daqueles olhos fixos e frios, sem esboçar reação alguma até aquele momento. Inclinei a cabeça quase imperceptivelmente e lhe ordenei com o olhar intenso "Seja simpático!".
— Ei, não esperava te ver aqui! — Abracei-o, uma leve cutucada não faria mal. Ele estava cheiroso como sempre e bem aquecido em sua jaqueta jeans. Deus abençoe o momento em que adquiriu aquela peça — Comporte-se. — Sussurrei no ouvido dele.
Assim que me afastei sua expressão estava ao menos decente.
— Sim, eu também não esperava te ver aqui. — Aquilo era um tom de acusação? Estendeu a mão para meu amigo paralisado sem jeito alguns passos atrás de mim — Lucas, tudo bem? — Fitou-o sem pudor.
— Estou, obrigado! E você? É um prazer revê-lo.
Justin se limitou a um aceno breve com a cabeça e me encarou, esperando.
— Ah, sim, Ava, Ethan, Lucas e eu resolvemos assistir um filme agora a tarde. — Contei, bem natural. Lucas corria os olhos entre nós dois, avaliando o terreno para o caso de precisar correr.
— Hm... Um encontro de casais então? — Disse, divertido. Perguntei-me se a acidez camuflada em seu sorrisinho era tão clara para Lucas quanto para mim.
— Seria, se você estivesse disponível para mim essa tarde. — Contra-ataquei.
A linha de acusação vibrava entre nossa troca de olhar. Lucas tossiu baixinho.
— Então, galera, eu vou ao banheiro e depois voltarei para a sala. Apareça mais vezes, cara. — Murmurou, embora tivesse receio do meu namorado, eu sabia que o convite era sincero.
Justin repuxou um canto da boca e movimentou brevemente a cabeça com mais gentileza do que eu esperava.
— Já vou, Lucas. — Sorri para ele, vendo que já se afastara vários passos.
Cruzei os braços, voltando-me para Justin.
— Você está trabalhando, me seguindo ou batendo perna? — Olhei em volta, como se pudesse detectar alguém suspeito ou um de seus alvos. A praça de alimentação estava movimentada, mas todos pareciam bem compenetrados no próprio lazer. Pensar que ele poderia estar ali para acabar com a diversão de alguém me dava calafrios.
— Você está claramente se entretendo bastante a ponto de não arranjar tempo de me contar que minha irmã foi encontrada com um desconhecido. — Labaredas de raiva espreitavam sua íris, a voz soou baixa e incisiva.
Levantei as sobrancelhas, incrédula que quisesse me responsabilizar pela consequência dos seus próprios atos ao mesmo tempo surpresa que soubesse daquilo. Não deveria estar, Ryan e Caitlin presenciariam o evento comigo, e até onde eu sabia Ryan ainda era seu melhor amigo. E um fofoqueiro de primeira, também.
— Você saberia se estivesse interessado um pouco na gente, reservado um tempo para sua família. — Rebati, levemente irritada.
Ele apertou os olhos.
— Isso é um castigo, então? Vai controlar o quanto de informação eu devo receber de acordo com o tempo que estou disponível?
Deixei a boca bem fechada, se ele queria tirar aquela conclusão eu não me importava.
— Faith — abaixou o tom de voz, sério e firme — a segurança de vocês não é assunto para se negligenciar. Você sabe o que está em risco aqui.
— Eu planejava te contar, mas não por telefone, então a culpa não é minha se.... — Comecei, indignada com a sugestão de que eu banalizava a importância do assunto.
— Eu tenho que saber dessas coisas imediatamente. Segundos são preciosos quando se trata da vida de alguém. Poderia ter me dito que precisávamos conversar com urgência. — Interrompeu-me.
— Ah, que ótimo, então agora vai me passar as palavras mágicas para ter sua atenção. — Minhas mãos se fecharam em punho nos braços cruzados para controlar a ira.
Ele se aproximou mais de mim, estreitando nossa bolha tensa.
— Evans, isso se trata da vida da minha irmã, não do seu ego.
Eu não conseguia me lembrar da última vez que me chamara pelo sobrenome daquela maneira impessoal, e era quase ridículo que aquilo me ofendesse, mas me retraí, magoada. E como ele ousava subestimar o valor que eu dava para Jazzy??!
— Não sei se teu informante te contou das circunstâncias, mas o desconhecido apenas a guiava porque desviei meus olhos um segundo e ela se perdeu. Não achei tão anormal assim para criar uma urgência sobre isso. — Me defendi.
— Tudo é relevante. Nesse meio nenhum detalhe deve ser ignorado, muito menos atenção. — Ele falou mais suavemente, embora ainda firme.
— Entendi, Bieber. — Destaquei seu sobrenome e ele arqueou a sobrancelha — Mas não ouse, nunca mais, duvidar da importância que a Jazmyn tem para mim. Não achei que ela corria perigo agora, por isso não fiz um escândalo sobre isso. — Continuei antes que me interrompesse — E não se esqueça de que Jazmyn e Jaxon já estão na minha vida há vários anos, até mesmo antes de você. Obviamente não vou medir esforços para protegê-los. — Senti uma ardência repentina em meus olhos ao passo que meu rosto todo queimava. Ele basicamente havia duvidado do meu caráter na minha cara. Minha mão coçava para lhe dar um tapa.
Justin recuou, reconhecendo a mágoa em meus traços. Sua expressão transfigurou-se de imediato numa espécie de ansiedade e remorso.
— Perdoe-me, Faith. — Expirou, eliminando os últimos rastros de irritação. Levou a mão à base do meu pescoço — Eu não quis dizer isso. Sei que você os ama de verdade. Só preciso que me mantenha informado, por favor.
Não olhei para ele, ponderando se conseguia desculpá-lo tão fácil assim. Ele se ausentara mais uma vez e voltava com grosserias e acusações. Antes que eu pudesse pensar no que dizer, me abraçou e por um instante não o abracei de volta. Até seu corpo convencer o meu, naquela conexão bizarra de nossas células.
Sim, eu conseguia desculpá-lo fácil assim. Maldito.
— Nós precisamos de um tempo. — Eu disse, a voz abafada contra sua roupa.
Foi como se ele tivesse tomado um choque, afastou-se de mim, levando o calor agradável que me envolvia.
— O que disse? — Perguntou numa voz estranha, o rosto inexpressivo de novo.
— Que precisamos de um tempo — Respondi confusa. Ele permaneceu imóvel — Para nós dois. Um dia inteiro pelo menos. Precisamos disso.
Justin voltou a se mover, inundado por compreensão e... Alívio? Espera, o quê?
— Você achou que... Eu queria um tempo sem você? — A ideia era tão hilária que eu ri e ele quase esboçou um sorriso. Peguei sua mão grande e acariciei os nós dos dedos — Não estou tão louca assim.
— Penso que ainda vai cair em si. — Falou num tom divertido, mas reconheci um fundo de verdade.
Revirei os olhos e o puxei pela mão para alcançar seus lábios. Uma vez perto, o beijei, acalentada por sua retribuição e a mão segura e sólida na base das minhas costas com muita propriedade. Se eu "caísse na minha" seria para notar que eu não era digna de estar com alguém tão extraordinário como ele. Já lhe falara milhares de vezes sobre isso.
— Falando nisso você deveria retornar ao seu filme. — Afastou a boca da minha para dizer. De uma hora para a outra nossa bolha emitia ondas tranquilas, quentes e envolventes. E, clichês a parte, senti que poderia morar ali para sempre.
— Não me diga que o poderoso Justin Bieber está com ciúmes de um reles mortal? — Brinquei com a pontinha de incômodo no canto dos seus olhos.
Sorriu, mal movendo a cabeça.
— Eu estou trabalhando, então não posso te dar atenção agora de qualquer modo.
— Quem? O ladrão do shopping? Chefe do tráfico? Homicida em série? — Perscrutei minha volta como se estivesse procurando, descontraída, mas não o bastante para escapar da inquietação nas tripas.
— Nada que você deva se preocupar. — Beijou minha testa — Vá fazer companhia para o Lucas. Se ele ainda gosta da Ava e ela ainda gosta do Ethan, o clima deve estar extremamente agradável. — Disse, curioso. Investiguei prováveis pontadas de ciúmes, mas não havia nada além do leve interesse.
— Nem me diga. — Franzi o cenho, relembrando o drama — E você se cuide, por favor. Te vejo mais tarde?
— Claro, passo lá em casa.
Estendi o dedo mindinho para ele.
— Promete?
Justin conteve o riso e abraçou meu dedinho com o seu.
— Prometo.


 Você o que? — Ava guinchou do outro lado da linha enquanto eu penteava meus cabelos.
— Não vou para a faculdade hoje. Depois você me passa o que perdi e amanhã conversamos sem falta.
Eu estava curiosa para darmos andamento no assunto sim. Retornando para a sessão do filme no dia anterior, descobri que Lucas havia partido e o clima entre Ethan e Ava estava mais pegajoso e misterioso — a troca de olhares entregava que compartilhavam alguma coisa interna. Mas, como só eu estava de carro, não tive um momento privado para que desembuchasse, ela desceu primeiro que Ethan. "Conversamos amanhã", piscara para mim, direcionando um sorriso caloroso e tímido para Ethan em seguida. Também me sentia mal por deixar Lucas sozinho com os dois naquele dia, mas Justin concordara em eliminar responsabilidades naquela segunda por nós dois. Um momento épico que deveria ser aproveitado.
Esteja pronta às 8 a.m, com roupas confortáveis. Escrevera. Eu não fazia ideia para aonde iríamos, e aquilo só me deixava mais empolgada.
Vesti uma calça jeans skinny flexível de cintura alta e um blusão rosa alaranjado modelagem cropped. Para completar, tênis preto confortável. Em questão de maquiagem, limitei-me a um batom nude.
— Se você acha bom faltar às últimas aulas antes das provas, quem sou eu para questionar. — Minha amiga universitária reprovou.
— Até amanhã, Ava. — Cantarolei e desliguei a chamada após seu resmungo.
A vida não podia ser levada tão a sério assim, e não era como se eu fosse faltar uma semana inteira de aulas.Justin mal podia respirar por muito tempo sem a empresa chamá-lo, a possibilidade de passar um dia inteiro com ele era um evento e tanto.
— Bom dia, Faith. — Diane recepcionou-me quando apareci na copa, tomando tranquilamente algum líquido de uma xícara.
A mesa do café da manhã estava posta, copos e pratos usados abandonados ali. Jazzy e Jax já haviam comido pelo visto e esqueceram outra vez dos modos. Ambos haviam passado em meu quarto antes que Bruce os levasse para a escola, depositando beijos molhados em minhas bochechas.
— Bom dia, Diane! — Apoiei-me na cadeira e sorri para seus olhos puxados sob os óculos enquanto pegava algumas uvas.
— Está radiante hoje. — Comentou, analisando-me com diversão.
Peguei a louça suja na mesa depois de enfiar as uvas na boca e alarguei o sorriso, indo para a cozinha.
— Justin e eu vamos sair daqui a pouco. — Olhei a hora no relógio redondo pendurado na parede. Três para às oito. Seria pontual dessa vez? No começo ele nunca se atrasava.
— Ah é? Aonde vão? — Sua voz ecoou da copa.
— Não sei muito bem. — Confessei, lavando os itens. Acrescentei mentalmente que nada mais importava do que passar o dia com ele.
— Justin e suas surpresas. — Ela riu — Ele adora ser misterioso, não?
Concordei, rindo.
— E de vez em quando pontual também.
Como se aquilo o tivesse chamado, ouvimos a porta da frente ser aberta e em segundos meu pedaço humano de tentação abraçava a avó. Jaqueta de couro preta, calça jeans escura e um olhar marcante para esfarelar meus ossos com uma só olhadela.
— Divirtam-se. — Diane se despediu, começando a tirar a mesa.
Justin me estendeu a mão com um sorrisinho presunçoso.
— Senhorita Evans, gostaria de dar uma volta comigo?
Depositei a ponta dos dedos na sua palma, recordando-me brevemente de quando nos conhecemos, em meio a toda aquela futilidade na casa dos meus pais, Justin seguira à risca os regramentos sociais e me deixara louca com suas provocações baratas. Eu não entendia na época o motivo de me afetar tanto até perceber que bastou seu primeiro olhar para me deixar caidinha, e qualquer coisa que ele dissesse me despertava o dobro de uma reação normal.
Para acentuar as lembranças, ele beijou os nós dos meus dedos e algo em seu olhar me deu a impressão de que estava submerso em nostalgia também. Por isso, eu ri quando vi que Justin também escolhera pilotar sua moto naquele dia, como se precisássemos de mais lembretes.
— E o que te faz pensar que hoje estou disposta a andar de moto? — Indaguei. Ele sabia que eu morria de medo e não gostava nenhum pouco daquele veículo. Na verdade, tinha quase certeza que ali no Canadá não aceitara aquele tipo de carona uma só vez.
Justin subiu na moto e me ofereceu a mão esquerda com aquela expressão convencida permeando seus traços. Como se fosse a primeira vez, influenciada pelo líquido penetrante dos seus olhos, aceitei o convite e montei naquele monstro ambulante, resmungando e fazendo ameaças caso eu morresse. Sentindo um dejavú atordoante, sufoquei-o com um abraço em volta da cintura e escondi o rosto nas suas costas. Eu confiava muito mais nele agora do que antes, com a minha vida, de fato, contudo Justin não podia controlar tudo e aquela exposição de ossos e órgãos a quilômetros por hora era nauseante.
Pensava em importuná-lo com o fato de negligenciar o uso de capacete — como sempre — quando a máquina mortífera ganhou vida embaixo de mim. Gemi.
— Você quer me matar de novo, não?
Ele riu de um jeito estranho.
— Aguenta firme.
E foi o que eu fiz, com os olhos bem fechados, imóvel, apenas curtindo a sensação de morte iminente renovada a cada segundo. O clima não estava muito favorável para receber o vento chicoteando contra mim, apesar das minhas roupas cobrirem quase toda a minha pele. Na verdade, confesso que não soube distinguir se estava com frio por causa do clima ou de pavor mesmo. Muito provavelmente os dois.
Ainda que a maior parte dos meus pensamentos se concentrassem na prece "por favor, Deus, não me deixe morrer", encontrei no cantinho da minha memória o dia em que ele compartilhara comigo seu desejo de ter um dia livre para pilotar por aí sem rumo, para experimentar um pouco de liberdade, e fiquei extremamente feliz por fazer parte dele agora.
Ilustrei uma ilusão de que voávamos juntos por aí e agarrei-me a isso até a viagem acabar. Senti quando estagnou, mas podia muito bem ser outro sinal então esperei até ouvir seu risinho.
— Vejo que você não mudou muito de opinião sobre motos.
Murmurei algo ininteligível até para mim e ele riu de novo.
— Precisa de ajuda para descer? — Senti seu corpo se voltar para o meu e abri os olhos, vendo sua mão estendida.
— Toda ajuda é bem vinda. — Só notei o quanto eu realmente precisava dela quando a segurei, apoiando-me para forçar meu corpo rígido a equilibrar-se momentaneamente na perna esquerda, até que conseguisse desenganchar, do modo nada elegante, a perna direita e fixar as duas no chão. Notei que ambas mal faziam o trabalho de uma, bambas.
Justin saltou agilmente do veículo, parecendo o Adônis da moto, empurrou o pedal com o pé para apoiá-lo e passou a mão em seu topete no intuito de organizá-lo. Alguns fios de fato escapavam do penteado meticuloso, mas o cabelo desgrenhado apenas o deixava mais glorioso. Não era muito justo porque, ajeitando rapidamente meu cabelo, eu tinha a sensação de que venceria um leão no concurso de Maior Juba.
Ele tocou meu rosto, repuxando o canto da boca.
— Gosto de te ver assim, desalinhada.
Fiz uma careta e abri a boca para retrucar, mas ele foi mais rápido.
— Todas as suas facetas são fascinantes para mim.
Rubor de prazer tomou minhas bochechas. Desviei os olhos constrangida, pensando em algo para distrair sua atenção. Eu sempre tive dificuldade com holofotes, ainda que aquele fosse muito bem vindo. Apoiei a mão em cima da sua.
— Só espero que seja para sempre assim. — Respirei fundo. — E então, onde me trouxe? — Olhei em volta para me localizar.
Toronto é uma metrópole, capital da província de Ontário, enfeitada com arranha-céus imponentes, que só são ofuscados pela Torre CN, a terceira maior torre do mundo, para serviços de comunicação e turismo. Num geral, uma cidade muito bonita e extremamente grande, o que significava que eu ainda não explorara todos os seus cantos. Mas aquele era terreno conhecido, Bloomer's era nossa padaria favorita em questões de Donuts, com o destaque especial de serem veganos e ainda assim manterem o sabor apetitoso. 
— Se você está querendo me amolecer depois de me fazer passar por essa experiência terrível — apontei com a cabeça para a moto — está conseguindo. — Falei animada. Viciada em doces assumida e sem vergonha. 
Justin sorriu vitorioso e entrelaçou nossas mãos. Minha palma estava um pouco suada e gelada, mas ele não pareceu se importar com isso. 
— Tudo friamente calculado. 
Me diverti na vitrine, apreciando os doces como um cachorro num açougue. As paredes eram brancas, bem como o balcão, a estratégia perfeita para trazer atenção aos Donuts coloridos, dos mais diversos sabores, atrás do vidro. Apoiei-me no balcão e desejei um bom dia radiante para a atendente oriental. 
— Donuts de chocolate triplo, granulado de baunilha, Mocha e blueberry selvagem. 
Pelo canto do olho vi Justin contrair brevemente os lábios. Eu sabia que ele queria rir e lhe direcionei um olhar acusatório. Ele levantou as mãos em rendição, sorrindo.
— Mais alguma coisa? — A atendente prestativa ofereceu.
— Um Dunut de pinã colada. Tudo para viagem. 
Senti-me humilhada por um momento com a discrepância dos nossos pedidos, mas disfarcei o fato me voltando para ele com a língua para fora, simulando que vomitaria. Piña colada nem deveria ser considerado um sabor adequado por estragar doces. Aliás, podemos falar sobre o bolo de abacaxi ser superestimado? Para mim, abacaxi deveria se limitar a fruta em sua matéria bruta e só. Justin balançou a cabeça em reprovação, não concordava com minha opinião sensata. 
Peguei a caixa de papelão rosa de bolinhas brancas enquanto ele se adiantava para pagar. Não fiz muito caso, depois eu simplesmente pagaria o almoço, sem deixá-lo com muita opção, e estaríamos quites. 
— Para viagem, huh? — Comentei abrindo a tampa da caixa para dar uma espiada. Talvez eu fosse mesmo viciada em doces, mas não pensava em entrar em uma reabilitação. — E como vamos levar isso numa moto? Ou não vamos sair do bairro? 
— Já que você resolveu limpar a vitrine, pensei que uma caminhada para equilibrar as calorias faria bem. Cinco quarteirões para quatro donuts parece justo para mim, o que acha? — Provocou-me. 
— Há há. Aonde vamos? 
Ele passou o braço pela minha cintura, conduzindo-me, e me deu aquele sorriso de quem não diria nada. 
— Tudo bem, contanto que não demore para chegar eu não me importo. 
Eu não ligava para o ato de caminhar, a tortura era caminhar com uma caixa de donuts bem embaixo do meu nariz espalhando aquele aroma divino sem poder comer algum. Para apreciar aquele milagre culinário com o devido respeito, eu deveria ao menos estar sentada para não correr riscos de derrubar no chão os outros. O pior era caminhar sem saber para onde ou quanto tempo levaria.
Se Justin não começasse a comentar sobre alguns filmes que assistira na semana anterior eu entraria em um surto leve. Por razões óbvias ele gostava mais de Ação, Suspense, Tiro-porrada-e-bomba, e embora não fossem meu gênero preferido, eu também apreciava, ainda mais se assistíssemos juntos. A caminhada passou mais rápido do que eu esperava assim, e eu suspeitei de que essa fosse sua intenção desde o início. Esperto. 
— Trinity Bellwood Park, deveria ter previsto essa. — Eu disse quando nos direcionamos ao portão preto de ferro sustentado por pilastras brancas com o ar medieval. O fluxo de pessoas não estava tão grande quanto ficava nos fins de semana, mas não estava abandonado, algumas pessoas gostavam de frequentar o parque para correr em qualquer período do dia. 
— Alguns consideram novembro como o mês mais deprimente do ano. — Ele comentou e apontou para um banco de madeira logo no começo do parque, limpou algumas folhas alaranjadas que estavam caídas ali e nos sentamos. 
A umidade congelou meu traseiro apesar de estar usando uma calça leggin debaixo da calça jeans e eu estremeci ligeiramente. O dia estava cinzento, como era o esperado para a época, mas tímidos raios de sol lutavam para transmitir alguma onda de calor entre o frio eminente. O tempo não estava tão ruim quanto poderia, nem mesmo o vento estava muito forte, apresentava-se em "carinhos" esporádicos. 
— O outono já está no fim e mal podemos ver as folhas alaranjadas. — Prosseguiu sua reflexão, indicou o chão, mostrando a escassez visível. As árvores praticamente nuas assomavam sobre nossas cabeças, figuras esqueléticas imóveis. 
Abri a caixa de donuts e escolhi começar pelo Granulado de baunilha. Passei adiante para que Justin pegasse o seu e me deliciei com a primeira mordida. O sabor doce e reconfortante se espalhou pela minha boca, as glândulas salivares dançaram em minha língua. 
— Entretanto, eu consigo ver outro sentido. Em novembro é praticamente a transição do outono para o inverno, eles parecem estar fundidos, uma característica de cada transparece, certo? — Concordei com a cabeça e vislumbrei sua covinha aparecer do lado direito do rosto em consequência a um sorrisinho. Ele olhou para mim. — Você se lembra? De ser outono?
Eu também sorri, como poderia esquecer nossas analogias climáticas às nossas personalidades?
— Sim. Você se declarou inverno. 
Justin assentiu, então olhou para o céu cinza com um pouco do sol intrometido, as árvores desfolhadas, o chão úmido, resultado da chuva no dia anterior, e parou em mim. 
— Nessa linha de raciocínio, creio que novembro seja o nosso mês, então. — Apoiou a mão em cima da minha livre, descansando em minha perna. 
Engoli o donut e voltei minha palma para cima entrelaçando nossos dedos.
 — Muito perspicaz. — Elogiei, esperando que aquela era a hora em que me dava um beijo ou algo do gênero. Não aconteceu. 
Ele olhou para frente, em silêncio por alguns segundos. Eu podia ouvir sua mente trabalhando em mais conclusões e terminei de comer em silêncio para não atrapalhar seus neurônios. Felizmente, tínhamos o dia todo para beijos. 
— O que você pensa sobre nós? — Perguntou de repente.
Pega desprevenida, olhei para o seu rosto. Os traços relaxados não demonstravam nada além de uma curiosidade inocente, mas eu o conhecia bem demais para não notar a leve contração no canto da boca e dos olhos. 
— Bom.... Eu acho que somos um bom casal. Funcionamos bem juntos. — Balancei a cabeça para expulsar os fios de cabelo que voaram com a carícia do vento — E você? 
— Eu... — Pensou, contudo mudou a rota da fala bruscamente  — Você acha que mudamos muito? Eu? Você?
Limpei minha mão um pouco melada de doce, adiando meus planos de pegar o outro donut. A caixa descansava em seus joelhos, e ele também não parecia apressado para comer. Tentei entender de onde viera aquela reflexão e aonde ele queria chegar com aquilo. 
— Acho que... É inevitável a mudança. 
— E foi uma boa mudança? — Quase não me deixou terminar. 
Pulguinhas desconfiadas passaram a pular atrás das minhas orelhas. O teor das perguntas começava a me deixar desconfortável. 
— Eu acredito que sim. Você não?
Alguma coisa no meu tom de voz fez com que ele finalmente me olhasse, e depois de me encarar por algum tempo tornou a abrir o sorriso de canto. 
— Depende da perspectiva. No meu caso, vejo que eu mudei para o bem. E você? Acha que é melhor agora do que era antes?
Passei a ficar inquieta, ele dizia tudo com muita calma, mas tinha um misto de seriedade diluído ali. Ou talvez eu fosse paranoica. Cagona, também. 
— Sim, do meu lado também. Evoluí muito. Tomei as rédeas da minha vida, deixei de ser controlada pelos meus pais, consegui fazer com que eles me ouvissem e tive coragem de viver o que quero. E o que eu mais quero é estar com você. — Fiz uma leve pressão em sua mão para reforçar o que eu dizia. 
E era a mais pura verdade. Desde que o conheci enfrentei desafios improváveis com a vida que eu tinha, mas conseguia ver minha transformação com muita clareza. Da menina ingênua que mais ouvia e se deixava ser influenciada pelas pessoas, mesmo sem perceber, a uma mulher que finalmente batalhava por seus interesses. Ainda faltava muito para ser tudo o que eu queria — independente sendo o primeiro item da lista —, mas eu me orgulhava do que já tinha conquistado. Sabia que grande parte disso se devia ao fato de tê-lo conhecido, e apesar de todas as nossas dificuldades, assisti meu sentimento por ele se fortalecer a cada dia. E no fim, eu não queria ser ninguém sem ele. Mesmo tendo o conhecimento de que não precisava dele para ser alguém. 
Justin afastou meus cabelos do rosto ternamente.
— Bem, senhorita Evans, tenho algumas coisas a te mostrar.