Leitoras com Swag

Hey garotas, beliebers ou não beliebers. Só estava faltando você aqui! Nesse blog, eu, Isabelle, faço IMAGINE BELIEBERS/ FANFICS. Desde o começo venho avisar que não terá partes hots nas Fics, em nenhuma. Repito, eu faço 'Imagine Belieber' não Imagine belieber Hot. A opinião da autora - Eu, Isabelle - não será mudada. Ficarei grata se vocês conversarem comigo e todas são bem vindas aqui no blog. Deixem o twitter pra eu poder seguir vocês e mais. Aqui a retardatice e a loucura é comum, então não liguem. Entrem e façam a festa.
" O amor não vem de beijos quentes. Nem de amassos apertados. Ele vem das pequenas e carinhosas atitudes."- Deixa Acontecer Naturalmente Facebook.
Lembrem-se disso. Boa leitura :)

Com amor, Isabelle.

sexta-feira, 24 de abril de 2020

One Time 4

Não prestei atenção a mais nada quando vi o casaco cor de rosa peludo de Jazmyn e seus olhos castanho claros arregalados de susto. Corri em sua direção e estendi os braços pra ela, que terminou o caminho e se chocou contra mim. Abracei seu corpinho esquelético, sentindo o ar voltar aos meus pulmões.
— Meu Deus, Jazmyn, que susto. Onde você estava? — grasnei, o som saiu agudo e um pouco estrangulado.
— E quem é você? — ouvi Caitlin perguntar, com cautela.
Afastei-me um pouco dela para me certificar de que estava intacta, terminando com as mãos em suas bochechas rosadas e geladas. Sim, estava tudo aparentemente bem. Já comigo eu não tinha muita certeza. 
— Sou Roger, eu estava passando por aqui e vi que ela estava perdida, resolvi ajudar. — Finalmente olhei para o homem que falava, detentor de um cabelo crespo e bem curto, olhos escuros como jabuticabas e uma pele de chocolate reluzente maravilhosa. Sua barba e bigode estavam bem feitos, praticamente um só ao redor de seus lábios carnudos. Os ombros empertigados e largos precediam ao seu corpo em forma escondido por um sobretudo preto e calça jeans. 
Olhei bem nos olhos de Jazzy para captar qualquer contrariedade no relato dele, mas ela só parecia receosa com nossas reações àquela travessura. Soltei o ar pela boca e direcionei um olhar firme para Roger. Com meu histórico e convívio com o Justin, eu era um pouco mais desconfiada agora. 
— Obrigada, Roger. — Enfatizei seu nome, para que soubesse que não o esqueceríamos. Fosse para o bem ou mal. 
Ele se limitou a assentir, transmitindo um ar muito simpático. 
— Não por isso. Mas tomem cuidado, esse lugar pode ser muito perigoso. 
Apertei os olhos. E agora o que ele queria dizer com aquela frase? Era uma ameaça? Um aviso de algo que sabia, mas não podia contar diretamente? Ou só uma recomendação geral de um morador local?
Ryan, fruto legítimo da desconfiança, cruzou os braços e elevou um pouco mais a cabeça, para encará-lo de cima, Jaxon estrategicamente posicionado atrás de sua perna. Quase imperceptivelmente, mudamos nossa disposição no espaço, com um passo pequeno deixei Jazzy atrás de mim, Caitlin, a pessoa mais próxima dele no momento, abriu um pouco as pernas para estabilizar-se no chão, e Ryan se moveu de novo, dando um passo a minha frente, embora tenha desviado o olhar para medir a distância entre Cait e Roger. Estávamos, alertados por nossos instintos, preparados para um suposto confronto. 
Por mais camuflados que fossem nossos movimentos, Roger estreitou brevemente os olhos. Havia percebido nossa defensiva então. Ele flagrou minha análise de sua postura e recuou.
— Bom, tenham uma boa tarde. — Acenando, como se sua mão fosse uma bandeira branca da paz, afastou-se. Permanecemos alguns segundos observando as costas dele antes de nos movermos. 
— Acho que chega de parque por hoje. — Ryan anunciou com firmeza. Ele não falava muito a sério na maioria das vezes e dificilmente o víamos de mal humor — tinha até dificuldades em imaginar que outrora fora assassino também —, contudo, seus momentos de exceção passavam tanta autoridade quanto Justin.   
A adrenalina estava baixando no meu sangue, substituída por irritação. Peguei firme nas mãos de Jazzy de Jaxon, agachei-me para ficar na altura dos dois e sibilei: 
— O que vocês estavam pensando, hein? Queriam me matar do coração?
A situação me dava uma estranha sensação de dejavú. Paralelamente, me vi no lugar de Jazzy e Caleb no rosto de Jaxon enquanto Eleanor ministrava mais uma de suas broncas por brincarmos de esconde-esconde nas araras das lojas e quase enfartarmos ela e Fle.
Jaxon não hesitou em apontar o dedo indignado para Jazmyn.
— Foi ela. Eu tava aqui quieto. 
Jazzy olhou feio para o irmão dedo duro e mordeu a boca, esperando minha bronca. 
— Pelo amor de Deus, o mundo é perigoso! Não sumam da minha vista NUNCA mais! — Fitei os dois para evitar também problemas futuros de Jaxon que parecia revoltando por estar recebendo bronca 'desmerecida' — E eu vou contar para o Justin. 
Qualquer coisa que eu dissesse não poderia ter o efeito que aquela frase tinha. Os olhos arregalados de horror quase saltaram no meu colo e eles despejaram lamúrias, pedidos de misericórdia e argumentações para que eu não o fizesse. Jaxon usou mais o ponto de que não tinha nada a ver com aquilo, para que eu citasse apenas o nome de Jazzy. 
E esse drama durou todo o caminho da volta. O que eu podia dizer? Ele tinha o efeito de linha dura em todas as criaturas, e eu ficava contente por ter essa arma na manga. Por outro lado, tirando a parte da repreensão educativa, Justin de fato deveria ser informado do ocorrido, especialmente sobre a figura do 'salvador' de Jazzy. Ele tinha a habilidade de farejar os problemas. Só era melhor dizê-lo pessoalmente. 
Chegando em casa, as crianças estavam um pouco chateadas com todo o ocorrido e se fecharam em seus quartos, enquanto eu resolvi me entreter com a faculdade. As provas iniciariam dali a três ou quatro semanas e eu precisava começar o estudo o mais perto possível das datas, já que meu cérebro tinha mais facilidade em apreender o conteúdo e reproduzi-lo no papel com essa estratégia. Eu já havia feito o teste, começara a estudar duas semanas antes para uma prova e três dias para a outra. A nota maior vinha com os estudos 'tardios'. Assim, só me restava o trabalho de Psicopatologia.
Suspirei, Justin seria o candidato perfeito, mas ele cortaria minha cabeça fora se eu pedisse de novo. O outro nome veio em mente quando Caitlin empurrou Ryan do sofá, rindo de algo que ele lhe dissera. 
— Você é louco!
— Louco! — repeti, boquiaberta — Ryan! É você! 
O jeito que os dois me olharam deixava claro quem passava a imagem de insanidade naquele momento.
— Eu tenho um trabalho de faculdade para fazer e ser apresentado essa semana com minha dupla. Temos que estudar estados psíquicos de um indivíduo relacionados ao sofrimento mental. O intuito é identificar alguma possível doença psíquica. Você aceita ser nosso entrevistado? — Juntei as mãos, implorando — Suas respostas serão divulgadas, obviamente, mas manteremos sigilo quanto à sua identificação.
— Ou seja, um teste para saber se meus miolos estão nos devidos lugares? — Perguntou, o cenho franzido.
— Pode-se dizer que sim. — Assenti, receosa, não cogitei muito bem a possibilidade dele se ofender como Justin, então só poderia torcer.
Para o meu alívio, Ryan concordou com a cabeça de modo enfático, empolgado até demais.
— Eu super topo. — Cruzou as pernas e colocou a mão no joelho — Pode começar.
Dei um gritinho animado e subi depressa para buscar meu notebook. Liguei para Ava em chamada de vídeo, anunciando de pronto que tínhamos nosso paciente bem colaborativo pronto para um exame clínico amador.
— Ah! Graças! — Jogou a mão livre para o alto e apressou-se pelos cômodos de sua casa para chegar ao quarto — Só vou ligar meu notebook para conferir as perguntas certinho.
Garanti que Ryan estivesse acomodado em um dos sofás da sala, cercado de almofadas, sentei-me em um que se posicionava de frente a ele e pedi, com gentileza, que Caitlin se retirasse, para não termos qualquer tipo de distração. Ela não resmungou e informou que daria uma olhada nas crianças.
Introduzi os cumprimentos entre Ava e Ryan, que se conheciam vagamente através de mim, e iniciamos a sessão.
Ava tinha uma voz mais calma do que a minha, monótona e tranquilizadora, então pedi que fizesse as perguntas enquanto eu anotava as respostas em um documento de Word. Ryan se comportou muito bem, respondendo a tudo com naturalidade, parava somente para refletir em alguns dos questionamentos, mas é claro, sem deixar de fazer suas piadas características. No meio do exame, a chuva começou a correr fina lá fora, as janelas ficaram marcadas de gotas incapazes de escorrer, o que deixou o mundo lá fora mais distante, visto através de uma distorção embaçada. E o melhor de tudo era o cheiro de terra molhada, um calmante natural bem vindo.
— É isso. — Ava concluiu, amarrando mais uma vez seu cabelo teimoso num coque desleixado — Agradecemos pela sua colaboração, Ryan. Eu estava achando que teríamos que fazer entre nós duas mesmo. — Mesmo através do som computadorizado da sua voz, era possível reconhecer o alívio genuíno.
Outrora relaxado nas almofadas, Ryan ajeitou os ombros, desencostando do sofá juntou as mãos.
— Não há de quê. Eu gosto mesmo de responder testes. E qual é meu resultado? Psicopata? Esquizofrênico? — A animação — visível em sua expressão — em receber o diagnóstico de patologias terríveis deixou Ava ligeiramente assustada. Ela correu os olhos entre nós dois.
— Então, nós vamos analisar suas respostas juntas e depois te passo o resultado. — Eu disse e levantei um dedo de alerta — Lembrando que não é um exame clínico completo, precisaríamos de exames físicos também, é uma suposição, probabilidades, e ainda não somos profissionais.
— Tudo bem. Eu vou procurar Caitlin para ir embora. — Levantou-se — Tchau, Ava, foi um prazer. — Sorriu, expondo todos os dentes, e lhe direcionou o breve aceno.
Ryan piscou para mim antes de sair da sala. Sentindo-se desinibida por fim, Ava arqueou a sobrancelha ao me olhar, em busca de explicações para nosso paciente peculiar. Em silêncio, ela dizia "Onde você arrumou esse doido?!". Eu ri e dei de ombros.
— Pelo que me lembro das aulas e das respostas obtidas, o resultado dele não vai ser muito diferente da minha impressão. — Inclinou a cabeça e seu coque se soltou outra vez.
Eu não ficaria surpresa se Ryan apresentasse transtornos mentais, também não me esquecera do Sr. Wright lecionando sobre as possíveis causas de tais doenças, e ele foi enfático sobre a incidência de fatores ambientais. Para descrever o mínimo, Ryan apontara seu lar como "violento", mencionou o falecimento da mãe e sua fuga por não suportar o pai bêbado, e então editou a história, contando que passou a viver de "bicos". Eu sabia muito bem que bicos eram esses. Não fora um meio de crescimento saudável, diga-se de passagem.
— Está aí uma área que não planejo seguir, Psiquiatria não é meu forte. — Ava comentou. Pelas suas reações às aulas, eu sabia muito bem que aquilo se devia em parte por medo de algumas das doenças e suas consequências.
— Eu acho interessante, mas também não gostaria de seguir. Talvez eu queira ser cirurgiã. Não decidi ainda.
Ela bateu o dedo no queixo, pensando.
— Hmmm... Pediatra é uma boa, também. Ah! Veja, acho que temos um resultado preliminar. — Apontou um dedo para a câmera do celular — Transtorno bipolar com ansiedade. — Abriu as mãos, como se fosse fazer uma reverência — Eu disse.
Imaginei quais seriam os resultados de Justin se ele tivesse topado e o que Ryan faria quando soubesse dos seus. Provavelmente nada, apenas faria algumas piadas e seguiria a vida tranquilamente.
Eu e Ava gastamos um pouco mais de tempo para planejarmos a apresentação, então só fiquei livre no fim da tarde. Não que eu pudesse reclamar, a praticidade fornecida pela tecnologia me deixara fazer o trabalho jogada no sofá, com uma cozinha logo ao lado para pegar alguns petiscos quando sentia fome e desfrutar da liberdade que meu próprio lar naturalmente trazia.
Meu próprio lar no sentido figurado, embora a família de Justin me tratasse como se eu fosse de fato da família, no fundo me sentia um pouco deslocada. Eu queria meu próprio lugar, mas não poderia deixar Jazzy e Jaxon para trás, nem tirá-los dali. Um belo dilema.
Levantei-me e me espreguicei, um osso da lombar estalou. Reparar naquele som só podia significar que o ambiente estava quieto demais, o que era bastante incomum para uma casa com crianças. Jazzy e Jaxon ainda estavam aborrecidos? Caitlin não me adiantou nada antes de partir, portanto, dirigi-me ao quarto deles, parando primeiro na porta de Jaxon. Em pé, na frente da TV, inclinava o corpo com um controle em mãos, como se pudesse controlar o carro de corrida com algum movimento que não os botões.
— VãããÃannnnnn Ãannnnnn Ãannnnnnnn — murmurava numa tentativa de reproduzir o som do veículo.
— Tudo bem por aí? Está com fome? — Perguntei, achando graça.
— Toma essa! — Empolgou-se ao esbarrar no carro no da frente — Eu quero salgadinho, mamãe! — Informou-me sem desviar os olhos da tela.
— Hmm... Está quase na hora do jantar, mas acho que posso trazer um pouco.
— ISSO! — Deu um pulinho, imerso no jogo.
Jaxon era viciado em jogos, portanto, limitávamos seus horários de vídeo-game no meio da semana ou ele só viveria para aquilo. Segui para o quarto de Jazmyn, encontrando-a praticamente desmaiada em sua cama, o tablet ainda em sua mão descasava ao lado do corpinho em repouso, esperei seu peitoral subir duas vezes para garantir que respirava regularmente antes de sair. Eu mesma me sentia tentada a dormir um pouco, mas esperaria por Justin.
"Já está vindo?" lhe mandei uma mensagem antes de entrar no banho, sentindo aquela ansiedade irritante que me acometia quando não tinha notícias dele por um tempo. Eu estava melhorando, no início mal conseguia me concentrar em alguma coisa se não soubesse que ele estava bem. Justin era muito bom no que fazia, mas não era imortal.
Por isso, passei a noite em surtos leves e esporádicos, aquele miserável parecera ter esquecido mais uma vez que prometera vir ao jantar e nem ao menos mandara uma mensagem. Eu tinha receio de ligar e acabar causando algum problema de concentração ou denunciar seu esconderijo se estivesse camuflado por aí, mas nove e meia da noite foi meu limite.
 — Perdão, Faith. — Dissera com a voz rouca pelo desuso. Estava dormindo?! — Nos vemos amanhã.
Respirei fundo para não exagerar em minha reação. Talvez eu estivesse muito obcecada e o estivesse sufocando. Justin deixara claro que não estávamos em crise, não? Eu precisava pisar no freio ou ele sairia correndo. Pensei em pedir um direcionamento à Hanna, ela era a rainha do desapego — pelo menos antes —, saberia o que fazer. Contudo, depois das nossas últimas conversas, eu não queria preocupá-la. Então.... O que ela faria nessa situação?


— Eu não o convidei. — Repeti para Lucas quando Ava e Ethan foram ao balcão pedir mais chocolate quente. Foi uma grande coincidência encontrar Ethan na mesma hora e cafeteria que eu marcara com Lucas e Ava naquela tarde. Não pude simplesmente mandá-lo embora quando os dois chegaram juntos. O brilho nos olhos de Lucas ao perceber Ethan sentado ao meu lado diminuiu gradativamente, e embora não me culpasse em voz alta, eu sentia seus olhares acusadores.
Ele passou a mão mais uma vez em seus cabelos encaracolados castanhos e curtos.
— Sim, eu acredito que não. — Ethan empurrou o ombro de Ava com o seu, direcionando-lhe seu melhor sorriso sedutor enquanto dizia alguma coisa que ela achou muito engraçado. Lucas estava com a mão fechada em punho e eu vi uma veia saltar naquele momento — Mas também não fez nada para impedir.
— E o que eu deveria fazer? — Mordi a boca, nervosa com aquele triângulo amoroso. Eu os convidara para sair comigo depois do almoço a fim de distrair minha mente, não me envolver em mais drama além do meu — Você é quem deveria fazer alguma coisa, eu já disse. — Escondi meu rosto na xícara quente, prevendo toda a reprovação facial que eu receberia.
 Claro, até porque ela parece estar super receptiva a uma declaração minha. — Ironizou — Qualquer um pode ver que Ava está apaixonada por Ethan.
Engoli o líquido quente e doce, mas havia certa amargura na ponta da minha língua. Lucas desviara a atenção para a própria mão em cima da mesa, girando um polegar em volta do outro, uma expressão de cachorro abandonado murchava suas bochechas. Ava, por outro lado, parecia radiante, as bochechas altas e coradas de tantos risos. A felicidade de um dos meus amigos deprimia o outro. E eu não sabia o que fazer.
— Não é o fim, Lucas, eles não estão juntos. Talvez ela possa estar um pouco encantada por ele, mas ela também gosta de você.
Ele franziu o cenho.
— Mas não está apaixonada por mim, e sim por ele.
— E isso pode mudar. — Insisti. Só depois pensei que dar esperanças podia não ser a melhor abordagem no momento.
Lucas bufou baixinho, fitando-me com incredulidade.
— Deve ser bom ter um sentimento recíproco.
Quase ri do seu olhar subestimando minha trajetória romântica. Se ele soubesse tudo o que eu passara com Justin, choraria comigo. Eu tinha que admitir, no entanto, que estava certo sobre a reciprocidade. Não conseguia nem imaginar como me sentiria se Justin parasse de me amar. Cogitar aquilo me deu uma falta de ar repentina.
— Ethan teve uma ideia. — Ava disse, a voz quase tilintando de alegria.
Eles se sentaram na cadeira um ao lado do outro numa sincronia palpável, entreolharam-se em camaradagem. Evitei olhar para Lucas.
— Não nos deixem no suspense. — Pedi, forçando um sorriso.
— Tem um filme em cartaz, chama A Freira, não sei se já ouviram falar dele. Poderíamos assistir juntos agora. Faith, você pode chamar seu namorado, e se você também quiser chamar alguém, Lucas... — Ethan foi o portador das boas novas.
Todos percebemos o plano de casal em que Ava claramente seria seu par. Disfarçadamente arregalei os olhos para minha amiga. Ela não tinha como negar o interesse dele agora. Ava tomava o chocolate quente, estrategicamente sem olhar para ninguém, mas eu via seu rosto ficar mais vermelho e não era apenas pela bebida. Já Lucas fechou a cara. Achei melhor eu me manifestar primeiro.
— Eu... hm, meu namorado está ocupado no momento. — Não era mentira. Justin também tinha compromissos durante aquele dia, dissera, com mais uma promessa de que nos veria no jantar. Era o motivo pelo qual eu estava no fogo cruzado, para começo de conversa.
— E eu não tenho alguém em especial que queira chamar. — Lucas disse um pouco sério demais.
— Bem, Ava já aceitou ir comigo, se vocês não quiserem ir junto, tudo bem....
Ava engasgou com o chocolate quente. Apressei-me em bater nas suas costas.
— Ah, não! Eu e Faith queremos ir sim. Quatro amigos — distorceu a palavra — juntos é o bastante.
Mordi a boca para conter a risada. Muito bem, Ava, arrasando corações.
— Ótimo.
— Ótimo.
Cutuquei o pé de Ava com o meu, queria que tivéssemos o poder de telepatia. Como ainda não era possível...
— Bem, eu e Ava vamos no meu carro e Lucas pode levar o Ethan. Você está a pé, não é Ethan?
Recebi um par de olhos furiosos e outro descontente, mas nenhum dos dois foi capaz de protestar em voz alta, então guinchei Ava até meu carro e, de portas fechadas, gargalhei.
— Você vai negar agora?
Ela estava com as duas mãos na boca, perplexa.
— Não é possível, Faith.
— Sim, Ava, Ethan está muito na sua. Eu te disse!
Ava riu com histeria.
— Isso é inacreditável. Não faz sentido.
— Faz sim, ele sempre te deu umas olhadas e hoje está tendo a oportunidade de investir mais a fundo.
— Meu Deus.... Lucas não gostou muito da ideia né? Eu não sei por que ele tem essa birra com o Ethan.
Eu nunca conhecera alguém tão cego como Ava, mas Lucas já me fizera prometer que nunca lhe contaria nada. Revelar seus sentimentos era direito personalíssimo. Limitei-me a suspirar.
— Acho que ele pensa que Ethan não é um bom partido pra você. — Dei seta e virei à esquerda, seguindo o carro de Lucas. O clima ali dentro deveria estar maravilhoso.
— Ele não se deu a oportunidade de conhecer o Ethan. E, bom, se você estiver certa, ele vai ser obrigado a conviver com isso. — Eu nem precisava olhar para saber que sorria.
Seria uma sessão e tanto.
 A ordem que sentamos nas poltronas foi óbvia: eu, Lucas, Ava e Ethan. Existe a famigerada vela, e aquilo ali podia ser considerado como um incêndio que eu precisaria apagar, dependendo do tipo de fogo. Apesar de ser um filme de terror, Ava dava risadinhas praticamente o tempo todo e a voz grave e constante de Ethan indicava que ele era o causador delas. Esperei que Lucas fizesse alguma coisa, mas ele só ficou sentado ali, como se esperasse o pior acontecer. Eu não achava que Ava beijaria Ethan ao nosso lado, e se fosse apenas por ela talvez eu estivesse certa. Só não poderia dizer o mesmo de Ethan e suas investidas. Lucas e eu estávamos evidentemente sobrando.
Não me surpreendi quando ele levantou no meio do filme para sair da sala. Sem pensar duas vezes, eu saí atrás.
— Lucas! — chameio-o, passando pela porta vai-e-vem.
Com as mãos no bolso da calça, seguiu andando rápido, a cabeça baixa. Apressei-me e puxei o braço dele quando o alcancei. Esperei até que desabafasse sozinho, eu não tinha ideia do que dizer. "Há mais peixes no mar"? "Você merece mais"? "Ela não é a pessoa certa"?
— Sabe o que não é justo? Eu sei que ele só quer usar ela como uma satisfação momentânea. — disse, irritado. — E você acha que ela liga?! Quantas vezes eu já avisei que ele não era digno da atenção dela? Talvez eles se mereçam mesmo.
Pensei em partir em defesa dela. Ou de Ethan. Dos dois. E então percebi que eu não tinha nada útil a dizer e puxei-o para um abraço.
— Vai ficar tudo bem.
Senti seu coração batendo forte contra minha bochecha, e imaginei que podia ouvi-lo se rachando em pedacinhos, o que fragmentou o meu. Lhe dei o tempo que achei necessário, esperando que o contato físico pudesse ajudar a impedir que quebrasse de uma vez, se mantivesse intacto, ou pelo menos inteiro, mesmo rachado. Então quando me afastei senti, antes de ver, olhos me encarando. No fim do corredor, Justin estava paralisado como uma pedra monumental. 

sexta-feira, 17 de abril de 2020

One Time 3


— Talvez eu tenha me enganado — respondeu algumas curvas depois, relaxando consideravelmente a postura, embora mantivesse um pouco da tensão nas linhas do rosto.

Soltei o ar e percebi que mal respirava durante aquele tempo. Coloquei a mão no peito, sentindo minhas batidas cardíacas regulares, como se precisasse de uma prova de que ainda vivia. Acalmei meus pensamentos que viajaram quilômetros de ideias catastróficas e tive a certeza de que eu não aguentaria passar por aquilo de novo. Sentia-me envelhecida em 100 anos desde o primeiro pico de adrenalina — vulgo experiência de quase morte — que passei dois anos atrás no incêndio em meu quarto, e desde então fora um evento pior do que o outro. Não tinha condições de viver aquele tipo de estresse outra vez.

— Eu não sei como você consegue viver assim.

Justin estreitou os olhos para mim.

— O que quer dizer?
— Sua vida toda se resumiu em perseguir e ser perseguido, viver em perigo e ser o perigo...
Ele de uma risadinha e passou a mão no cabelo arrumado em um topete. Eu já o vira de cabelo longo, praticamente careca e de topete, e podia afirmar com absoluta certeza de que aquele homem ficava espetacular de todo jeito, uma estátua grega ambulante.
— Bem, eu não consigo imaginar como é uma vida diferente dessa, fui criado dessa maneira. Pense numa selva, a cadeia alimentar, alguns animais estão sempre ameaçados, ratos, coelhos, esquilos... E outros possuem uma hierarquia superior, a natureza é assim e tenho quase certeza de que eles não lamentam isso. Aliás... — deu-me uma olhadinha divertida — destaquemos o leão. Você acha que ele se sente mais ameaçado ou a própria ameaça?
Franzi o cenho, confusa.
— Ameaça.
O sorriso prepotente cresceu em seu rosto. Justin direcionou-me uma piscadela.
— Eu sou o leão, Faith — murmurou, engrossando a voz.
Eu ri alto, embora reconhecesse sua superioridade genuína nesses aspectos.
— De fato — ele parecia satisfeito por me fazer rir — fui treinado para ser o caçador e a provocar temor em quem ousasse me caçar, então dificilmente me sinto intimidado, ameaçado. Sempre portei a segurança do rei da selva — acompanhou-me no risinho — e você sabe que o que mudou isso, o que me dá um pavor nauseante ... — a claridade do dia reluziu em seus olhos castanho claros e sérios, momentaneamente fixados em mim — é você.
Senti-me constrangida de repente e olhei minhas mãos no colo como se algo interessante acontecesse ali. Meu peito queimou de carinho e dividiu o calor com as minhas bochechas.
— Mas eu sou o rato, não há o que temer — brinquei, sem jeito.
Ele riu da piada, aquele som descontraído que muito se assemelhava ao de um bebê.
— Você é a minha lobinha — esticou a mão, acariciando minha bochecha — Feroz e espetacular.
Beijei seus dedos, lisonjeada com o elogio.
Não havíamos desviado consideravelmente da rota, portanto, não demoramos a chegar. Foi Jazzy quem abriu a porta antes que colocássemos a mão no trinco, notara nossa chegada pelo ruído do carro, supus. Ela pulou diretamente para os braços de Justin.
Jazzy e Jaxon são os irmãos mais novos — por parte de pai — de Justin, que ele resgatara de um orfanado vigiado pela Companhia Bieber, e por um tempo — duas semanas — os dois pensaram que eu e Justin éramos seus pais adotivos. Eu me lembrava do dia em que abrimos a verdade. Para amaciar a carne, saímos apenas os quatro para um parque, enchemos aquelas barriguinhas de todos os seus desejos e soltamos o verbo com muito cuidado numa sorveteria.
— Vocês não têm dúvidas do quanto somos gratos por vocês, certo? — Eles assentiram, muito contentes lambendo seus sorvetes que começavam a escorrer entre os dedos. Senti um cutucão na canela, identificando o pé de Justin a chamar minha atenção. Seu jeito de me olhar era um expresso pedido de ajuda. Fiz uma careta como resposta, não queria ser porta voz das más notícias. Justin arqueou a sobrancelha, me motivando.
Soltei um suspiro e pigarreei.
— Vocês são umas das melhores coisas que nos acontecerem, e sempre vão ser nossa família. Isso é uma honra. — Tentei demonstrar em minha voz toda a sinceridade do que dizia. Eu não estava fingindo, sempre nutri muito carinho pelos dois, e ultimamente estávamos cada vez mais próximos. Sem mencionar que me davam uma versão antecipada gratuita da maternidade.
Os dois sorriram, e Jazzy, um pouco mais atenta ao mundo ao redor do seu sorvete olhou-me.
— A gente também tá feliz. Eu até tô gostando do Jax como irmão — seu tom de voz deixou claro que aquela última parte a deixava perplexa. Jaxon fez uma cara de convencido — E gosto bastante do meu novo nome, é igual da princesa da Disney.
Eu e Justin trocamos um olhar terno, um pouco mais nervoso do que deveria transparecer. Ele assentiu para mim, incentivando-me a continuar. Meus ombros caíram um pouco.
— Bom, sim, que bom Jazzy. Não duvidem que amamos muito essa oportunidade de sermos pais de vocês. Mas, precisamos conversar sobre uma coisa meio... séria.
Dois olhinhos desconfiados fitaram-me. Parei de respirar. Eu queria chacoalhar os ombros de Justin, gritar que eu havia dito que mentir era uma péssima ideia. Para minha surpresa, o rosto de Jazzy corou e suas íris claras ficaram úmidas.
— Vocês... — sua voz estava embargada e ela engoliu — não querem mais a gente? — Jaxon olhou pra ela e em seguida para nós dois, arregalando os olhos de susto com a suposição.
Meu coração terminou de partir quando uma lágrima pequena rolou no rostinho de porcelana de Jazzy. Chocados com a sugestão, Justin e eu demoramos a reagir, mas naquele momento limpei o rastro de umidade enquanto me apressava para negar.
— Não! Nem digam uma coisa dessas! Claro que queremos vocês!
Eles não pareceram convencidos. Jazzy abandonou o restante do sorvete no pote à sua frente e Jaxon se esquecera do seu que derretia na mão.
Afastei minha cadeira e estendi os braços para Jazzy, chamando-a para se sentar em meu colo. Olhei de esguelha para que Justin me imitasse com Jaxon, e ele o fez. Acariciei os cabelos lisos de Jazzy e voltei meus joelhos para Justin, para que ficássemos todos bem próximos.
— Não seríamos loucos de abandonar vocês. Vocês são um grande presente. A questão toda é... formalidade.
— Formalidade? — Jax repetiu, confuso.
Seja clara, Faith, você está falando com crianças.
Olhei para Justin, pedindo uma mãozinha. Vi quando ele jogou a toalha.
— Na verdade, não adotamos vocês. Vocês dois são meus irmãos. Temos o mesmo pai. Somos uma família de sangue mesmo. Eu só falei sobre a adoção para que viessem comigo.
— Irmãos?! — Eles grasnaram juntos, com toda aquela expressão pronunciada de crianças confusas.
— Sim. Descobri recentemente sobre vocês. Nosso pai não está mais vivo. Então na verdade não preciso adotar vocês, porque já sou responsável por vocês, entendem? — Ele me direcionou um sorrisinho — A Faith não é parente de sangue de nós três, nem adotou vocês. Mas, como minha namorada, isso a torna cunhada de vocês.
O momento todo era muito importante por si só, e eu ainda arrumei tempo para me sentir tolamente feliz com o "minha namorada", embora incerta do modo direto com que ele dava as notícias.
Eles pareceram pensar, entreolharam-se, e nos fitaram desconfiados.
— Então não vão devolver a gente? — Jazzy quis confirmar.
Eu quase ri de nervoso.
— Claro que não.
— E também não são nossos pais? — Jaxon perguntou.
— Infelizmente não, querido — acariciei o braço dele. Justin estava ocupado limpando a sujeira que Jax fizera com o sorvete.
— Você é nosso irmão? E a gente é irmão de verdade? — Jazzy apontou entre ela e Jaxon, estranhando.
— Isso.
— E a Faith é a nossa conhada?
— Cunhada — corrigi, sorrindo ansiosa.
— E cadê a nossa mãe? — Jazzy perguntou, um pontinho de esperança surgindo desconfiado em seus traços.
— Ela... Hm... — Olhei para Justin, revendo a cena de Erin enforcada em sua casa, seus apelos por ajuda feitos no dia anterior da sua morte ainda ecoavam em meus ouvidos. Retorceu meu estômago.
— Ela faleceu também. Patricia é a minha mãe, mas não me importo de dividi-la com vocês.
— Mas vocês não podem continuar sendo nossos pais?
E depois, foi um pouco mais tranquilo. Houveram muitas perguntas, como era de se esperar, inclusive algumas relacionadas a Jeremy que Justin não parecia muito confortável em responder. Jazzy e Jaxon queriam criar uma imagem heroica do pai, e nós bem sabíamos que não era a verdade. Surpreendi-me que Justin tentou ser o mais neutro possível, sem passar uma imagem ruim do pai, mas também sem dar asas às ilusões das crianças — que foram longe por si só. No fim eles definiram que continuariam nos chamando de pais, e não vimos problemas em permitir.
— Sim! E a mamãe pintou um quadro meu também! — Jaxon estava puxando o braço de Justin para o quarto dele enquanto saltitavam informando as notícias semanais.
Jaxon havia clamado insistentemente que eu o pintasse como o homem aranha, e quando consegui um tempo livre entre minha rotina de estudos, foi o que fiz. Eu dei o meu melhor, mesmo tendo noção de que, por sua idade, ele não ligaria muito para detalhes e técnicas. Mas para uma pintora, ainda que não mais profissional, o trabalho era coisa séria.
Por outro lado, Jaxon fora bem claro ao pedir que estivesse posicionado em um prédio mais alto que os outros para que pudesse "vigiar a cidade" e com a máscara na mão, para que seu rosto estivesse visível no desenho, alegando ser óbvio que daquela altura o herói não corria riscos de ser visto por curiosos.
— Legal, né?! — Ele saltou como se jogasse teia no ar pelo pulso, emitindo um som sibilante pelos lábios para enfatizar o lançamento — Meus amigos qué muito vir aqui pra ver o quadro. E já qué que mamãe pinte um deles também. Mas eu já disse que se eu deixar, vai ter que dar dinheiro.
Eu dei uma risadinha da empolgação dele, sem deixar de me sentir com o ego amaciado por sua admiração. Justin, entretanto, parecia alheio à diversão, analisando o quadro minuciosamente, com olhos críticos e distantes. Isso me deixou um pouquinho nervosa. Toquei o braço dele para chamá-lo de volta ao presente e recebi seu sorriso vago quase um minuto depois, sem dar muita atenção ao questionamento que meu rosto lhe fazia.
— Hm, então se divertiram essa semana com a Faith, sim? — Eles assentiram, com pulinhos empolgados. Justin direcionou o olhar a mim, um pouco mais sério através da descontração — E você, se divertiu? Conseguiu estudar?
— Ah, sim. Foi uma boa semana, não é meninos?
— E a tia Caitlin me trouxe um vestido cheio de brilhos! Ela disse que eu também posso ser modelo como ela se eu quiser e que vai me levar no desfile da semana que vem! — Jazzy colocou a mão na cintura, como se já estreasse em uma passarela.
— Verdade? — O leve interesse não camuflou sua reprovação para mim. Jazzy desfilando numa passarela, inclusive na frente de homens, e talvez com poucas roupas algumas vezes, não era uma opção que ele gostaria. Dei de ombros. — Podemos almoçar agora então?
— SIM!
Eu me perguntava todos os dias como as crianças poderiam ser tão animadas o tempo inteiro a ponto de que quando estavam muito quietas eu suspeitava que havia algo errado. Chegamos no restaurante de Pattie em questão de minutos, Diane já estava lá ajudando na cozinha e eu me deleitei com a cena das duas abraçando Justin com nada mais do que um amor palpável familiar. Antes, Justin era rondado exclusivamente por violência, manipulação, hipocrisia e crueldade, era indescritível a sensação de vê-lo ser acolhido no mundo por algo além de interesse.
Fomos expulsos da cozinha para desfrutar o cardápio do dia juntamente com as crianças e Ryan e Caitlin que chegaram logo depois. Escolhemos uma mesa perto da janela grande de vidro, próximos à saída da cozinha. O restaurante era de um todo muito sofisticado e delicado, a cara de Patricia Malette. Justin escolhera um bom decorador, e ele não errara na mão.  As cores frias traziam um relaxamento ideal para o ambiente, ostentando um piso de porcelanato sempre reluzente. Mesas quadradas forradas com toalhas brancas e cadeiras de madeira escura cujo design me lembrava muito de uma cadeira de balanço. Lustres elegantes de cristais pendiam do teto e algumas plantas foram espalhadas aqui e ali em alguns vasos grandes no intuito de invocar a sensação de lar. Muito iluminado também, com janelas compridas e simples em quase toda a parede.
— Vocês ouviram isso?! V-I-C-T-O-R-I-A S-E-C-R-E-T-S! — Cait soletrou, empolgada com a notícia. Ao que parece, um funcionário — cujo qual eu não lembrava a função — da empresa viria para o desfile da próxima semana e talvez, se gostasse do que visse, entrasse em contato com algumas das meninas.
— Você sem dúvida deve ser uma das escolhidas ou ele precisa de um oftalmologista urgentemente. — Eu disse, comendo uma batata da porção de poutine que havia pedido como minha refeição, mas já disputada pelos demais presentes na mesa, que intercalavam com seu próprio prato. Já era previsível, algo em batata frita a torna de pronto um prato público, a ser divido com todos.
— Sim, foi a mesma coisa que eu disse a ela — Ryan lhe deu uma cutucadinha no braço, jogando um combo de olhar e sorriso presunçoso.
Cait revirou os olhos, contudo, não parecia irritada, apenas muito modesta e lisonjeada com os elogios.
— Qualquer uma das meninas merece. São todas muito talentosas.
— E eu vou lá ver! Vou tirar muitas fotos, tia Cait! — Jazzy bateu palminhas, empolgada. Caitlin sorriu de modo amável, mandando um beijo para sua fã de carteirinha.
Justin franziu levemente o cenho, com certeza lembrando-se dos planos de Jazzy para o futuro. Ele havia acabado com sua salada e limpara a boca com o guardanapo muito educadamente. Eu me lembrava de ter comentado sobre as aulas de etiqueta que tivera com a Companhia Bieber, e ele não parecia se esquecer de nenhuma.
— Certo. Podem me dar licença? Eu preciso resolver umas coisas agora a tarde. — Disse, um pouco evasivo e então direcionou os olhos castanhos e atarefados a mim — À noite passo em casa para jantarmos juntos.
Jaxon e Jazzy iniciaram uma série de protestos enquanto eu revia em minha mente se ele havia comentado sobre isso comigo anteriormente. Não, com certeza não. Justin levantou-se da cadeira, informando que se despediria de sua família na cozinha primeiro. Demorei questão de milésimos para decidir que iria embora junto com ele e, como não poderia nem pensar em abandonar meu poutine para trás, o peguei para pedir à Pattie um embrulho.
— E você, aonde vai? — Perguntou quando chegamos à porta da cozinha.
— Junto com você resolver aquelas coisas. — Respondi simplesmente.
— Que coisas?
— Bom, isso é você quem tem que me dizer.
Justin comprimiu os lábios, expressando repreensão.
— Não são coisas que você pode se envolver, Faith, mas voltarei mais tarde, como disse. — Segurou minha mão, acariciando-a delicadamente.
— Vai trabalhar de novo? — Indignei-me.
— Ossos do ofício. — Piscou — Volte para a mesa e se divirta com Cait e Ryan, e veja se consegue colocar um pouco de juízo na cabeça de Jazzy. O tempo vai passar mais rápido do que imagina.
Respirei fundo e antes que pudesse protestar ele já entrara na cozinha. Caitlin identificou meu humor de pronto e Ryan fez questão de parecer distraído, cutucando Jaxon.
— Problemas no paraíso? — Fiz o mais parecido com um sorriso desanimado que eu podia e ela agarrou o braço de Ryan de modo protetor — Um dos maiores alívios da minha vida é Ryan ter se livrado desse mundo. — Estremeceu, relacionando a saída repentina de Justin com trabalho — Me compadeço com a sua dor.
Enfiei batatas na boca quase como um consolo, encarando a toalha branca. Eu queria poder fazer mais do que esperar que ele finalmente se livrasse de tudo aquilo, na realidade sentia que o perdia cada vez mais para aquele ofício sufocante e possessivo. Brigávamos por Justin como se fosse um cabo de guerra, e por enquanto os Cavanagh detinham muitas mais vitórias do que eu. Recebi um beijo rápido quando Justin passou de novo pela mesa em meio a um coro de "eeeeewww" das crianças.
— E ele está bem? — Cait perguntou, quando o alvo do assunto sumiu pela porta do restaurante. — Sei que toda essa questão deve ser bem estressante — ela se inclinou na mesa para mim, falando mais baixo — e a ausência de sucesso em você-sabe-o-que também, Justin nunca gostou de perder. Mas ultimamente ele parece meio distante.
— Eu acho que ele está bem normal. — Ryan se adiantou à minha resposta, parecendo sincero. Até demais, eu diria.
Dei de ombros.
— Acho que está. Ele diz que sim, pelo menos. Mas com certeza um pouco preocupado. — Olhei para os lados, perscrutando através do burburinho de pessoas à nossa volta, certificando-me de que ninguém ouvia.
Quando fez o trato com os Cavanagh, Justin garantiu segurança para sua família entre os termos, e embora mais intensa em nossa adaptação aqui, ele dizia que sempre havia alguém por perto para manter nosso bem estar. O problema era que não sabíamos muito bem quem, além de Justin que os reconhecia, justamente para não entregarmos esse favorecimento, segundo ele. A única coisa que eu sabia era que de tempos em tempos nosso guardião se alternava.
Eu suspeitava de que esse acordo trazia benefícios inclusive para eles, de forma que garantissem nossa lealdade. Se Justin fora capaz de trair a própria família, não havia muita garantia de que não repetiria o gesto com aqueles desconhecidos. Eles estavam mais certos do que pensavam em desconfiar.
Depois do almoço, Jazzy e Jaxon insistiram que fôssemos para o parque do outro lado da rua, e como estávamos sem planos, cedemos. Bruce preferiu ficar no restaurante com Diane e Pattie, e depois de muito elogiarmos a refeição, nos dirigimos ao centro da felicidade infantil e paz geral. Ocupando duas quadras inteiras o parque amplo ostentava árvores altas e cheias, uma trilha para passantes e até alguns brinquedos para crianças. Naquela época do ano, o frio era o clima dominante, ainda não nevara, o que não demoraria muito a acontecer nos próximos dias, mas a chuva e o vento já marcavam presença.
Para a sorte de Jax e Jazzy, naquele dia apenas ventava um pouco, balançando as árvores em união, embora a temperatura não passasse de uns quinze graus. Não planejávamos ficar muito tempo ali ao ar livre, apesar de vestir um casaco e duas calças jeans, a ponta do meu nariz congelaria logo, isso sem contar os pequenos, que na verdade pareciam não se importar com o frio, pulando de uma balança a outra com uma energia surpreendente. Sentamo-nos no banco de madeira pintado de verde, encostando nossos ombros para manter o calor entre nós enquanto os observávamos brincar.
Eu sempre tinha a mesma sensação quando estava em um parque como aquele, com árvores desafiadoras ao redor. Lembrava-me muito bem de escalar algumas com Caleb, e depois o contraste de ter contado aquela história à Justin quando nos conhecemos e nos propomos a mesma brincadeira. Via claramente o meu mau jeito para descer dos galhos que me emaranhava, uma caída desajeitada e ele me segurando em seus braços, com o rosto perto demais do meu derretendo os pedaços do meu coração que ainda não alcançara. Todas as nossas memórias eram guardadas com muito carinho no cantinho mais organizado e intacto da minha mente, e elas incrivelmente haviam alcançado ou se sobreposto às demais.
—.... e ele chegou e disse: senhor Butler, deveria se preocupar tanto com seu vocabulário como o faz com suas roupas. — Ryan imitou um colega de classe, desdenhando de seu tom de voz anasalado, de acordo com a interpretação. — Eu disse a ele que se se preocupasse mais com a própria vida a língua seria muito mais bem educada.
Caitlin soltou uma gargalhada genuína e eu não pude deixar de dar algumas risadinhas, embora pegasse o assunto pela metade.
— Você deveria parar de fazer inimigos pela sua turma, Ry, creio que já alcançou um bom número. Isso se não contarmos na faculdade inteira.
— Ele é afrontoso, não consegue se conter. — Eu disse, pensando em tantas oportunidades que poderia ter ficado quieto e preferira irritar Justin, uma criatura de pavio curto.
Jazmyn gritou em meio a risos, correndo atrás de Jaxon em volta do balanço agora abandonado.
— Cuidado! Vão tropeçar! — Avisei. Surtiria o mesmo efeito se repreendesse uma parede. Bem, eu definitivamente entendia o que Flê passara comigo e Caleb.
— Ela leva jeito, não acha, Ryan? — Caitlin se retraiu um pouco para o lado dele, olhando para mim especulativamente como se eu não estivesse bem ao seu lado. Parecia procurar me provocar.
— Ah, sim. Mamãe Faith. Eu sempre disse para o Justin que a maternidade lhe caía como uma luva. — Ele alisou o queixo, analisando meu rosto, como se fosse uma questão crucial — Mas acho que precisa de mais uns dois para ter certeza. Daqueles recém nascidos que berram a noite inteira e sugam seu seio até rachar. Jazmyn e Jaxon já estão numa idade mais fácil para o cuidado.
Involuntariamente meus seios se retraíram, apavorados com a ideia de sugadores ávidos rachando o bico. Caitlin sorriu, achando graça de alguma expressão que escapou em meu rosto.
— Não quer, Faith? Ter belos filhinhos louros de Justin? Ou moreninhos iguais você? Imagina que combinação perfeita? Seriam pestinhas muito bonitas com essa genética toda.
Realmente, imaginar rostinhos pequenos de narizes afunilados como o dele, as boquinhas em formato de coração e olhos cor de mel faziam meu útero vibrar. Eu não podia negar que sonhava em fundarmos nossa própria família, mas aquilo exigiria muito comprometimento e mais segurança. O jeito sugestivo que ambos me olhavam me deixou um pouco corada.
— Vocês são terríveis. — Fiz uma careta brincando e voltei a olhar na direção de Jazzy e Jaxon. Mas eles não estavam mais lá.
Olhei ao redor depressa, certa de que os veria no escorregador ou na casinha, e de fato Jaxon acabara de descer pelo escorregador. Investiguei mais um pouco dali e não consegui ver Jazzy, então levantei-me.
— Jaxon, cadê a Jazzy?
Ele levantou do chão e olhou ao seu redor rapidamente.
— Achei que ela tava atrás de mim. — Levantou as mãos, impotente.
Senti uma palpitação repentina e caminhei apressadamente até ele, colocando a mão em seu ombro.
— Vocês estavam brincando juntos aqui no escorregador agora?
Ele assentiu e ajudou a dar mais uma olhada a sua volta, confuso pelo sumiço da irmã. Entendi então as broncas —  que antes pareciam exageradas para mim — recebidas da minha mãe quando eu e Caleb nos distraíamos em nossas brincadeiras e nos afastávamos dela ou de Flê, desaparecendo por um momento que nos parecia breve. Só aquele segundo foi capaz de me encher de um pânico que amoleceu minhas pernas e direcionou todos os pensamentos a Jazmyn.
— Jazmyn! — Gritei, começando a andar em volta, agarrando o braço de Jaxon para levá-lo comigo.
Poucas pessoas estavam no parque devido ao frio, e as que eu podia ver estavam a uma boa distância caminhando.
— Aqui, Faith. — Ryan estendeu os braços para Jaxon a fim de cuidar dele, provavelmente eu andava um pouco rápido demais para suas pequenas perninhas. Ryan o pegou no colo e saiu a busca conosco.
Olhamos atrás das árvores, gritando o nome dela, saímos do caminho para passar entre elas.
— Jazmyn?! — Será que eu já poderia ligar para a polícia? Fazia o que, três minutos que estávamos à procura dela? Aonde ela teria se metido? E por que? E como poderia ter sumido assim tão rápido? Desviei meus olhos deles por questão de um minuto!
Justin me mataria. Eu mesma me mataria. E se alguém a tivesse sequestrado? O que fariam com ela? E se fosse a Companhia Bieber? George?
— Jazmyn? — Eu já estava sem ar.
Justin me mataria. Eu preferiria que me matasse se não a encontrasse. Onde estava o funcionário Cavanagh da vez quando se precisava dele?
— Jazzy?!
— Eu vou procurar mais na frente. — Caitlin anunciou, passou correndo ao meu lado, mas parou menos de três metros à frente, olhando entre as árvores. — Jazzy?
— Ah, então você a conhece? — Ouvi a voz masculina grave antes que ele entrasse em meu campo de visão. 

sexta-feira, 3 de abril de 2020

One Time 2


 Ele bebericou o vinho, olhando para baixo.

— Várias reuniões, conversas cansativas, encontros indesejados... Nada de novo sob o sol — seu tom de voz descartava qualquer importância ao assunto.
Fiquei levemente irritada por tratar aquilo com indiferença.
— Hm. Para você é só mais uma semana de trabalho, né?
Ele percebeu o sarcasmo na minha voz e me olhou com cautela por cima da taça.
— Você sabe que é. E não há nada que eu possa fazer sobre — é a vida deles ou a minha, era o que ele deixava implícito.
— Não há?
Já fazia 17 meses que estávamos ali e ele me prometera que daria um jeito de sair do contrato, mas até aquele momento estávamos na estaca zero.
— Bom... — expirou — estou sondando alguns contatos, mas todos os temem demais para pensar em fazer algo contra eles. Você sabe que até os Biebers não ousam em enfrentá-los — sorriu um pouco com a ironia — Venho tentando consultá-los sobre a possibilidade de um destrato também, mas ao que parece vendi minha alma para o diabo, sem volta. Eles não vão me libertar tão fácil assim.
Senti um arrepio na espinha e o repreendi com os olhos pela escolha de palavras. Ele deu de ombros. Mastiguei meticulosamente o macarrão que havia colocado na boca.
— Está muito bom. Parabéns — elogiou.
Resmunguei qualquer coisa e permaneci em silêncio, pensando. Senti os olhos dele em mim, mas ignorei por um tempo. Até que ele pousasse a mão em cima da minha inerte na mesa, o que me incentivou a falar.
— A minha preocupação é que tenha se acomodado, de forma que não esteja tentando de verdade. Sei lá, pra você pode não fazer diferença mais — acovardei-me de olhar em seu rosto, falando acuada.
Justin levou as costas da minha mão aos lábios, então levantei os olhos para ver a doçura em seu rio cor de mel, embora algumas marcas de sua expressão demonstrassem um pouco de irritabilidade. Afinal, era uma pequena acusação que eu tinha feito.
— Faith, tenha certeza de que eu estou fazendo o meu melhor, tenho que tomar cuidado com as minhas ações porque tenho muito a perder agora. Meus avós, minha mãe, meu tio, meus irmãos e você. Eu não suportaria se alguma coisa acontecesse a vocês. Então claro que vou ser bem mais cuidadoso nas minhas ações.
Senti meu rosto se abrir num sorriso comovido.
— Eu me preocupo muito com você, sua vida e sobretudo sua alma.
— Vai ficar tudo bem. Prometo.
Mordi a língua para não retrucar, ele não podia prometer coisas que não estavam completamente ao seu alcance. Por outro lado, entendi sua intenção.
O jantar passou sem mais tensões, apenas aproveitamos a companhia um do outro, um bom vinho e a refeição. Justin cuidou das louças depois e me mandou selecionar um filme para assistirmos na TV. Zapeei pela Netflix, ficando emburrada com o catálogo como sempre. As locadoras ririam da sua dificuldade de atualizar os filmes e séries. Só quando Justin se sentava ao meu lado que achei alguma coisa no TOP 10, Partida fria, um filme que passava em meio as tensões entre os Estados Unidos e União Soviética.
— E então, o que temos aí?
— Um filme de ação, muitos socos, sangue, manipulação, do jeito que você gosta.
Não havia dito com aquele proposito, mas ficou um clima esquisito devido a minha escolha de palavras e a recente conversa na cozinha. Ninguém disse mais nada e eu dei o play no filme, contente em me aconchegar em seu peito desnudo. Sua pele estava quente contra a minha bochecha e se me concentrasse podia ouvir as batidas do seu coração. Sem conseguir me conter, dei um beijo ali, tendo em seguida a agradável visão de sua pele se arrepiando. Ele me abraçou mais forte, dando um beijo no topo da minha cabeça. Relaxei ali, no meu canto de paz.
Acordei algum tempo depois, confusa na escuridão. Tateei ao meu lado em busca do corpo sólido do Justin, mas só senti lençóis vazios. Lençóis? A última coisa da qual me lembrava era de estar recostada nele no sofá. Me sentei, coçando os olhos e piscando para me localizar. Quando pude distinguir alguns móveis, identifiquei que aquele era o quarto de Justin, e vagamente me recordei dele subir comigo escada acima no colo e meu protesto balbuciado de que queria ficar com ele. Provavelmente me colocou para dormir ao seu lado, o que explicava o sono profundo de algodões que acariciavam minha pele, cheirosos e macios.
Fiquei paralisada para verificar se ouvia algum som do banheiro — onde supunha que ele estava. E após algum tempo de silêncio, fiquei inquieta. Aquela casa era enorme e estava escura o bastante para que eu quase não enxergasse minhas próprias mãos. Eu já podia sentir olhos na sombra me encarando. Todo aquele tempo que passamos sem acidentes não foi possível para apagar as memórias traumatizantes que ficaram, e saber que não estava completamente acabado não me ajudava.
— Justin? — sussurrei.
Eu podia visualizar muito bem o espírito de Annelise me rondando no quarto. Meu coração começou a bater na boca, com um medo irracional ameaçando me paralisar. Sentei-me com cuidado antes que fosse tarde e me inclinei para o interruptor, acendendo a luz.
Depois de breves segundos ajustando meus olhos à claridade, vasculhei o quarto grande mobiliado com uma cama, divã, cômoda, frigobar, televisão, um canto para seu estudo peculiar — mesa, notebook e cadeira — e um quadro abstrato que ele me pedira para pintar de cores escuras — pares de olhos camuflados ali que encaravam como se observassem quem adentrasse o cômodo — pendurado na parede como o único objeto de enfeite.
— Eu quero ter algo seu aqui. Mas, com a minha profissão, não posso baixar a guarda nesses detalhes. Se alguém conseguir o feitio de entrar aqui, não pode sentir conforto admirando um quadro.
Perturbador, realmente, quase tanto como o Dark Inside, o quadro que ele comprou de mim na primeira vez que nos conhecemos. Conclui que eu tinha feito um bom trabalho, de fato, não consegui me sentir muito melhor depois de olhar para ele. Pulei da cama tentando ignorar a sensação de que mãos geladas agarrariam meus pés por baixo dela e bati na porta do banheiro.
— Justin? — Silêncio. Nenhuma luz escapava das frestas.
Respirei fundo para acalmar minha mente e coração, já imaginando várias situações desagradáveis, para dizer o mínimo. Depois de tudo que eu vivi, não precisava de muito para a adrenalina correr em meu sangue, sempre no modo de defesa. Ele podia muito bem estar apenas na cozinha arrumando algo para suprir sua fome de madrugada, mas só por garantia, peguei o taco de beisebol que ele guardava no closet.
Saí para o corredor escuro pisando delicadamente no chão, com ouvidos atentos. As portas dos três quartos restantes daquele andar estavam fechadas, sem luz escapando de dentro. O silêncio ainda reinava. Desci um lance de escadas, inconvenientemente me lembrando da noite em que Annelise nos confrontou no hotel em nossa primeira noite no Canadá. Com uma onda repentina de tristeza me lembrei de como aquilo acabou para Maya, a assistente de George que no fim mudara de lado e tinha uma boa chance de se tornar minha amiga de verdade. O suor começou a gotejar em minha testa e despertar coceira em minhas axilas.
Chegando ao segundo andar, eu podia identificar um leve ruído ao fundo, espantando um pouco do silêncio doloroso. Eu poderia imaginar que fossem ratos, embora aquela casa sempre estivesse limpa, se a luz não escapasse pelo vão da última porta. Um quarto de hóspedes. Não fazia sentido que Justin saísse no meio da noite e fosse para lá sozinho sem alguma motivação específica.
Eu estava a uns cinco passos da porta quando o ruído outrora constante cessou, A sensação de um animal ameaçado aumentou e eu soube que minha presença fora detectada. Paralisei e prendi a respiração, firmando a mão no taco e tentando me policiar para não olhar a escuridão atrás de mim.
A luz do quarto se apagou e meu coração parou de bater naquele momento, só para voltar o ritmo em uma velocidade maior audível. Pensei se deveria gritar o nome de Justin, se fosse ele, me responderia e acabaria o suspense, caso contrário, eu precisava de reforço mesmo. Enquanto decidia agucei meus ouvidos e no outro momento eu estava no chão. Emiti um grito espantado e um tremor percorreu meus membros.
O braço forte firmado contra o meu pescoço relaxou quando ele me identificou.
— Caramba, Faith, está tentando se suicidar chegando dessa forma?! — Justin disse ríspido.
Eu estava muito ocupada normalizando minha respiração e os batimentos cardíacos, conclui que minhas pernas estavam bambas demais para que eu me levantasse por alguns minutos.
— Ou tentando me matar mesmo com esse taco? — Ele abriu meus dedos duros em volta da madeira, tirando o objeto das minhas mãos.
— Meu Deus — respirei — O que... você... faz aqui?
— Bom, até onde eu saiba é minha casa — retrucou, ainda aborrecido.
Fuzilei-o com os olhos, mesmo que não pudesse me ver direito.
— É claro que é, eu... só estava dizendo...
— Que queria testar o taco na minha cabeça? Sinto informar que não sou tão cabeça dura assim.
— Eu deveria... já que você me deixou sozinha, numa casa escura... de forma suspeita. Depois quase me mata do coração — eu começava a me sentir mais mole conforme a adrenalina baixava.
— Não é suspeito sair da cama no meio da madrugada, Faith. Tenho certeza que várias pessoas fazem isso tranquilamente independentemente do propósito. — E ele ainda estava me repreendendo.
— O que você estava fazendo aí então? — Insisti.
Ele expirou ruidosamente e eu senti seu hálito em meu rosto, notando que ainda estava em cima de mim, sustentando o peso nos braços para não me esmagar. Essa posição despertou em meu corpo outro tipo de calafrio, apesar do meu descontentamento.
— Eu estava indo à cozinha, pensei ter ouvido um barulho aqui e vim verificar. Não era nada, mas acabei me distraindo escrevendo porque tive uma ideia de poesia. Contente?
— Depois do medo que passei só ficarei contente se ler para mim.
Naquele breu eu mal conseguia distinguir os traços do seu rosto, mas senti seu olhar de reprovação.
— Mulher, você ainda vai me levar a insanidade — mas a sua irritação havia diminuído um pouco, substituída por uma intensidade diferente. Pensei que ele também tomara percepção da nossa proximidade e meu coração voltou a bater um pouco mais rápido, por um motivo diferente agora. A mudança no ar era palpável.
Justin pincelou meu nariz com o seu e eu fiquei surpresa que ele soubesse onde estava até me lembrar que enxergar e se mover na escuridão era meio que o seu trabalho. Levei minhas mãos para cima, tateando e encontrei o contorno de seus braços. Ah, aqueles braços musculosos e eficientes. Segui um caminho para os seus ombros ainda nus e desci para a curva de suas costas, sentindo seus arrepios sob minhas mãos. Puxei-o para mim e recebi seus lábios macios e gentis de bom grado.
Minha queda levantara um pouco da minha camisa e agora a pele descoberta da barriga entrava em contato com o seu abdômen definido, compartilhando arrepios. Justin soltou um pouco mais do seu peso em mim quando levou a mão ao meu pescoço e a outra à minha cintura descoberta. Ele tomou espaço com sua língua dentro da minha boca, esfarelando meus ossos a cada volta. Afastei-me, mordiscando seu lábio, arquejando.
— Hmm... — murmurou, abaixando-se e distribuindo beijos molhados na minha barriga. Remexi-me de puro deleite e coloquei as mãos em seus cabelos, acariciando-os e o incentivando a continuar.
Ele subiu até minhas costelas, deixando uma mordida leve. Cravei as unhas em suas costas e num movimento rápido ele rolou e me puxou para cima, beijando-me com urgência. Desci as mãos para o seu peito, acariciando, me deliciando com sua forma definida. Movemos nossa boca em sintonia, encaixadas como se fossem feitas uma para a outra. Quando nos afastamos, beijei todo o seu rosto, partindo para o pescoço, peito e abdômen. Justin emitiu um ruído grave no fundo da garganta e minha temperatura corporal subiu como se eu estivesse caminhando sob um sol de 40° C. A umidade em nossa pele começava a emergir e se misturar.
— Ah, Faith — suspirou, travando meus movimentos num abraço quando subi para morder sua orelha —Você é extraordinária, quase irreal — sua mão descansou na base das minhas costas por baixo da camiseta.
A rouquidão em sua voz soprando em meus cabelos desceu um calafrio por minha espinha.
— Extraordinário é um homem como você dizendo isso de mim. — Franzi o cenho, mas mesmo assim me deleitei com as palavras, sentindo as bochechas corarem um pouco.
Ele acariciou meus cabelos.
— Certamente você não se vê direito.
Inclinei-me barra beijá-lo mais uma vez, inebriada com a sensação de que éramos praticamente um só, enlaçados até a alma.
— Deus, como eu amo você. — Sussurrei de repente, surpreendendo a mim mesma.
Seu suspiro tinha aquele quê de conforto.
— Meu coração é seu, Angel, para sempre.

Acordei plenamente satisfeita na manhã seguinte, deixando para trás qualquer resquício de aborrecimento e dúvidas quanto a receptividade de Justin à minha presença. Quando eu estava com ele ficava presa em uma névoa de satisfação indescritível, até nos momentos em que nos desentendíamos.
— Então você o confrontou, espero. — Hanna disse num tom autoritário, pintando suas unhas enquanto falava comigo por chamada de vídeo.
— Sim, eu fiz isso. — Olhei para os lados com discrição, mas Justin ainda não descera do quarto, e eu o esperava no sofá para que pudéssemos ir à casa de sua família — E tudo ficou bem claro. Eu realmente estava me sentindo meio insegura quanto... — falei mais baixo ainda — aos sentimentos dele, mas me parece que está tudo bem. Deve ser só isso, insegurança da minha parte, mesmo.
Ela sorriu de lado, o cenho franzido em concentração na difícil tarefa de não borrar seus dedos do pé.
— Menos mal então. Mas não deixe que ele se afogue em... trabalho e te deixe de lado. As coisas vão se perdendo assim. — Aconselhou. Ela também tinha dificuldades em aceitar o oficio dele, com total razão — Aliás... ele conseguiu... alguma coisa? — Parou para me olhar com curiosidade, quase esperançosa.
Suspirei.
— Ainda não. Esperança é a última que morre. 
Hanna se aproximou um pouco mais da tela para cochichar, séria.
— Faith, eu sei que você o ama, mas, por favor, pense bem no que você quer pra sua vida, nos seus valores, no que está disposta a abrir mão... Eu tenho a sensação de que você está em constante perigo. E tenho um medo absurdo de te perder, como se isso pudesse acontecer a qualquer momento. — Confessou, mordendo o lábio.
Hanna era minha melhor amiga da faculdade de Harvard, e agora apenas podíamos nos falar por equipamentos eletrônicos. Eu morei algum tempo em Minneapolis quando pensava que Justin estava morto — e só de pensar nisso me congelava a alma —, o que nos afastou um pouco naquela época  — eu realmente não era uma boa companhia para ninguém. Mas agora eu sentia sua falta como ninguém e quando ela me visitava sempre aquecia meu coração. Por isso, eu entendia sua preocupação, que não era completamente infundada.
— Han, isso não é exatamente culpa dele, você sabe. Ser uma Evans me trouxe muitos problemas e tudo isso veio como consequência. De qualquer forma, qualquer um de nós pode morrer a qualquer momento — brinquei, forçando um clima ameno.
Ela revirou os olhos.
— Só toma muito cuidado e pensa com carinho, tudo bem?
Não tinha muito o que pensar, mesmo se eu não o amasse, o arranjo que fizera era o único motivo da Companhia Bieber não ter acabado comigo, minha família e amigos. Com toda certeza eu estava na lista de inimigos deles por ter corrompido um dos seus melhores funcionários, indiretamente participado do incêndio na sede de Boston, corrompido a assistente do Poderoso Chefão, ajudado a surrupiar seus dois netos, acabado com a vida de outra funcionária  — mesmo que em legítima defesa  — e indiretamente me alistado à Companhia inimiga. Justin estava me protegendo, de todos os modos.
Mesmo assim, assenti para ela.
— Tudo bem, Han. E como estão as coisas com Caleb? — Seu relacionamento com meu irmão era provavelmente um dos mais longos que tivera e eu estava praticamente acostumada com eles. No fim, até que combinavam.
Hanna sorriu de orelha a orelha.
— Muito bem! Essa semana ele enviou flores na galeria... Todo lindo. — Sorriu, apaixonada.
Hanna havia aberto sua própria galeria de artes em Boston, e andava indo muito bem.  Os Evans não hesitaram em dar uma ajuda com os contatos à manga também, eles se planejaram por anos para abrir esse arsenal para mim, então não foi muito difícil redirecioná-lo. Ela também recebia umas dicas de Rafael, um grande pintor que eu conheci em Minneapolis e se tornara meu amigo. Depois de ter a vida em risco por se aproximar de mim, ele me pesquisara na internet quando sumi da cidade, entrou em contato com a minha família para garantir que estava tudo bem, e no fim ele e Hanna se tornaram amigos. Trocamos mensagens algumas vezes, para o aborrecimento do Justin.  
Os passos de Justin fizeram barulho na sala, e ele sorriu para mim, vestindo uma calça jeans e uma blusa com gola alta preta que me tirou o fôlego.
— Vamos? Ei, Hanna! — cumprimentou-a, colocando o rosto na área de alcance da câmera.
— Uau, ei Justin! Sim, Faith, o seu bom gosto é inquestionável.
Todos nós rimos e nos despedimos rapidamente. Em segundos estávamos no Volvo preto de Justin, colocando os cintos. Ele deu uma boa olhada antes de sair com o carro da garagem, com uma expressão de concentração um pouco exagerada. De repente lembrei-me do que conversava com Hanna um pouco antes que ele chegasse. Não era possível que tivesse ouvido, era? Sim, era. Ele andava muito silenciosamente, poderia ter chegado ali antes que eu notasse com seu ouvido tuberculoso, e apenas disfarçara em seguida para que eu não suspeitasse.
Fui direta:
— Você ouviu minha conversa com Hanna?
— Hm? Ah, sobre seu irmão? Fico feliz que estejam bem. Viu, você não precisava se preocupar — respondeu olhando os retrovisores.
— Sim... bem, eles são bonitos juntos. — Investiguei seu rosto, tentando saber se realmente era só aquilo que ele tinha ouvido. Mas Justin disfarçava muito bem sua expressão e aquela parte eu não poderia perguntar diretamente.
Contei com a sorte de que não tivesse ouvido para que não se magoasse ou perdesse tempo pensando em como me fazia mal. Então notei que tomamos uma rua diferente da que levava à casa da sua família.
— Você perdeu a rua?
Ele olhou no retrovisor esquerdo de novo, franzindo o cenho.
— Não. — Uma olhada atenta no retrovisor do vidro central, movimentando-se no banco como se procurasse algo e então virou o carro abruptamente em uma rua aleatória.
Meu sangue congelou, e empurrei as palavras:
— Estamos... sendo seguidos? — eu pigarreei, olhando para trás para identificar alguma coisa. Não sei o que eu esperava, talvez um cara fora da janela com uma arma apontada para nós.
Ele ficou quieto por um tempo, fazendo a próxima curva em uma velocidade maior. Olhou novamente nos retrovisores, com a sobrancelha arqueada, a expressão fechada em sua fachada profissional. Aquilo nunca podia significar boa coisa, meu coração começou a errar as batidas.
Estava demorando demais para ser verdade.