Leitoras com Swag

Hey garotas, beliebers ou não beliebers. Só estava faltando você aqui! Nesse blog, eu, Isabelle, faço IMAGINE BELIEBERS/ FANFICS. Desde o começo venho avisar que não terá partes hots nas Fics, em nenhuma. Repito, eu faço 'Imagine Belieber' não Imagine belieber Hot. A opinião da autora - Eu, Isabelle - não será mudada. Ficarei grata se vocês conversarem comigo e todas são bem vindas aqui no blog. Deixem o twitter pra eu poder seguir vocês e mais. Aqui a retardatice e a loucura é comum, então não liguem. Entrem e façam a festa.
" O amor não vem de beijos quentes. Nem de amassos apertados. Ele vem das pequenas e carinhosas atitudes."- Deixa Acontecer Naturalmente Facebook.
Lembrem-se disso. Boa leitura :)

Com amor, Isabelle.

terça-feira, 22 de maio de 2018

One Love 39


Joguei-me no sofá, cedendo aos meus instintos mais gritantes. Justin riu.

—  Você parece ter saído de uma guerra agora —  ele se sentou ao meu lado, deitando a cabeça para trás. Vi seu pescoço branquinho tão exposto exibindo o pomo-de-adão.
No fim, Patricia colocou um vinho na mesa e começou uma conversa casual, o assunto basicamente se resumia a mim, ela queria saber meus gostos, planos — esse foi meio difícil de responder, mas soltei de praxe que planejava ser médica, o que fez com que desse uma olhadela impressionada para Justin, e então falamos sobre os desafios da profissão, depois sobre meu primeiro emprego. Expliquei que tinha um carinho especial por artes, mas trancara o curso ano passado por ter recebido outro chamado profissional do meu coração. Contei que conheci Justin na primeira exposição dos meus quadros e ela pediu que lhe mostrasse algum em outra oportunidade. O assunto se estendeu tanto que quase não nos lembramos da promessa de colocar as crianças para dormir, já era tarde e aqueles olhos pequenos estavam praticamente se fechando sozinhos.
Eu ajudei Jazmyn a escolher um pijama e lhe fiz companhia enquanto escovava os dentes no próprio banheiro. Depois a observei subir na cama enorme e deitar-se tagarelando sobre o nervosismo de começar em uma escola nova.
— Eles vão te adorar, Jazmyn — dei-lhe um beijo na testa e apaguei a luz. Antes de sair do quarto ela me perguntou se Justin demoraria a lhe dar boa noite, em suas palavras, Jaxon poderia monopolizá-lo até que ela dormisse.
Quando entrei no quarto de Jaxon, os dois realmente estavam perto da televisão apertando agressivamente controles de Xbox. Demorei alguns segundos para chamá-los, encantada com o brilho infantil nos olhos dos dois. O rosto de Justin completamente livre daquela preocupação constante que aparecia até atrás dos seus sorrisos. Naquele momento, ele era apenas um menino. Foi o gesto de coçar o olho de Jaxon que me fez entrar em cena.
— Você não pode me julgar. De um dia para o outro tem duas crianças enormes me chamando de mãe e acabei de conhecer sua família materna.
Ele fechou os olhos e atribui isso ao seu cansaço.
— Desculpe por isso. Não consegui explicá-los que não era bem assim.
— Não me importo. Gosto muito dos dois.
Por outro lado, eu sabia que aquilo não era muito saudável. Quer dizer, ter um filho acarreta muitas responsabilidades, os dois sabiam muito bem disso e esperariam tudo de mim. Com vinte e dois anos ser mãe de uma menina de nove e um garoto de oito parecia um desafio e tanto.
— Eu quero te pedir uma coisa — seus olhos lampejaram para mim.
Àquela altura eu achava difícil recusar alguma coisa que ele me pedisse. Mesmo assim, fiz graça:
— Vamos ver o que posso fazer por você.
Ele repuxou o lábio em um sorriso.
— Consegui um segurança para essa casa. Acrescentando a isso o fato de que eu queria que Jazmyn e Jaxon ficassem perto de alguém que já conhecem... Você acha que pode morar algum tempo aqui? Fiz a mesma proposta a Caitlin e Ryan, e embora tenham aceitado passar essa noite aqui, partirão amanhã para encontrar um apartamento nas redondezas. Sei que talvez você prefira morar com eles, mas... — respirou fundo, e então existiu de falar. Era quase cômico que estivesse perdendo sua habilidade de se expressar.
Ponderei por cinco segundos no máximo, então ele piscou seus cílios longos para mim.
— Tudo bem. Por um tempo.
O alívio fez com que fechasse os olhos outra vez. Próxima demais de seus traços angelicais, cedi a tentação de acariciar seu rosto com a ponta dos dedos, percebendo-o relaxar ainda mais sob meu toque.
— Ainda não acredito que Caitlin deixou tudo para trás de novo.
— Ela não abandonaria Ryan agora. E modéstia parte, acho que também pesamos em sua decisão.
— Seus pais vão ficar arrasados. E agora, o que vai fazer com a agência de modelo?
Ele entortou um pouco a boca, numa expressão de “não sei”.
— Acho que conseguiu referências, alguma coisa assim. Mas disse para Ryan que essa é a última mudança da sua vida, com exceção de necessidade profissional. Vocês não conversaram sobre? Ela continua brava com você?
Dei de ombros, apenas aparentando indiferença. Não consegui pensar em algo para dizer que correspondesse com meu gesto.
— Caitlin é meio exagerada, mas logo vocês estarão conversando. Dou menos de uma semana.
Eu esperava que sim. De repente, me liguei em outra coisa enquanto contornava  seu maxilar com o indicador.
— Ei, você disse que queria Jazmyn e Jaxon  perto de alguém que conhecessem, mas não é como se você fosse um completo desconhecido. Não que eu esteja reclamando de ficar aqui ou voltando atrás...
Sua testa se franziu um pouco.
— Hm, sim. É só que... Não vou morar aqui, na verdade.
Arqueei a sobrancelha.
— Não acho bom morar no mesmo lugar que vocês, esse trabalho faz de mim um alvo. Mas vou passar essa noite aqui para que possa se sentir mais a vontade.
— Você vai me despejar aqui e ir embora? — grasnei.
— Não vou morar tão longe assim, e prometo visitá-los todos os dias.
Isso era perfeito. Então agora eu havia me tornado uma mãe solteira vivendo de favor na casa da sogra. Fiz uma pausa no surto silencioso para apreciar como soava bem chamar Patricia Mallette de sogra.
— Eu sei que é complicado. Se você quiser te imploro de joelhos — para reforçar a persuasão, colocou a mão em cima da minha em seu rosto.
Respirei fundo diante de toda confusão que seu toque causava em meu sistema, praguejando mentalmente. Bem, eu já estava ali, não é?
Ah, meu Deus. Eu estava ali.
— Posso tentar —  murmurei. Aquilo pareceu mais uma pergunta.
Senti-me um pouco melhor ao ver seu sorriso grato antes que se colocasse em pé e me estendesse a mão — não o suficiente para afastar o pânico gelado passeando por meu estômago.
— Venha, vou te apresentar seu quarto.
Os quartos do terceiro andar eram reservados para hóspedes, Ryan e Caitlin já se recolhiam em um deles, e aparentemente, agora para mim também. Desfrutei de certa ansiedade quando pensei que já no dia seguinte seria apenas eu naquele corredor grande e vazio.
— Se não gostar, podemos mudar alguma coisa — Justin disse enquanto abria a porta.
O tom de azul que cobria as paredes me lembrava do céu em seu melhor dia, os móveis se distribuíam nas cores branca e azul bebê, muito bem planejado para que realmente parecesse uma moradia no paraíso feita sob medida para mim. Corri os olhos por um quadro de Vladimir Kush pendurado atrás da cama vintage majestosa de casal — forrada de ursos de pelúcia — e a moldura de um pôster de CSI na parede da frente. A tela de pintura em branco num dos cantos do quarto terminou de derreter meu coração. E então me perguntei há exatamente quanto tempo ele planejara aquilo sem mesmo saber se eu aceitaria sua proposta.
— Você... — gaguejei — Isso é incrível. Como...? E se eu não...?
— Pedi para decorarem um para você quando decidi voltar a Boston. Gosto de delinear todas as alternativas, até as mais improváveis, e colocá-las em andamento, você sabe.
Virei-me para ele, as duas mãos no pescoço, tamanha perplexidade.
— E se eu não viesse?
— Eu teria alguns anos para transformar Jazmyn numa amante de artes e CSI. Duvido muito que ela ainda vai gostar daquele quarto em sua adolescência.
Voltei ao quadro de Vladimir Kush, nada mais e nada menos que Farewell Kiss. Temi que Justin percebesse em meu rosto que aquilo me lembrava de Rafael — aliás, ele já não devia saber daquilo? — e falei qualquer coisa que veio na minha cabeça:
— Faz algum tempo que não vejo CSI. Preciso voltar.
— Patricia estava me falando sobre uma chamada Grey’s Anatomy, parece ser uma série sobre médicos, talvez você goste.
Como uma boa sedentária, e curiosa para experimentar a maciez do colchão, me sentei na cama, afundando-a levemente com meu peso. Foi como me sentar em plumas. Vi que Justin ainda avaliava minha expressão e sorri pra ele.
— Obrigada. Não precisava ter feito tudo isso.
Justin pegou uma cobra preta entre as pelúcias atrás de mim e me estendeu.
— Você não gosta muito de animais, mas se está oficialmente namorando uma cobra, deve aceitar um pouco mais essa espécie agora.
Eu ri mais alto do que planejava, lisonjeada que a palavra “namoro” saísse de sua boca novamente, pegando da sua mão só para atirá-la em seu rosto.  
— Então você deve amar Avestruz agora.
— Por que Avestruz?
Girei um pinguim pequeno em minhas mãos.
— É o animal mais medroso do mundo.
O colchão afundou quando ele se sentou atrás de mim. Seus braços me puxaram para recostar em seu peito e lá estava ele outra vez em todas as partes, enlaçando-me como se fôssemos um só. Senti um arrepio quando sua voz bateu em meu pescoço.
— Ah, é? Bom, mas eu amo você, a criatura mais corajosa que já conheci na vida — beijou de leve minha nuca.
Meu corpo dividiu-se em euforia e nós emotivos na garganta.
— Você não deve ter conhecido muitas então.
Sua risadinha fez cócegas em minha pele.
— Espero que isso não seja uma pergunta — virei meu pescoço como a menina exorcista para lhe encarar furiosamente — No entanto, nenhuma delas me fez sentir como você. Eu sou seu, Faith. 
Precisei beijá-lo, seus lábios tinham o gosto ácido do vinho ingerido há pouco, mas eu duvidava que alguma coisa conseguisse ser mais doce. Não pensei mais em todas as catástrofes que caíram sobre minha cabeça, sobre o desafio de mudar para um novo país, sobre as coisas que enfrentaria dali pra frente. Eu o tinha, e era o que importava. 

No dia seguinte, Caitlin e eu fomos as últimas a deixar a mesa do café da manhã. Todos acordaram cedo, Patricia trabalhava numa editora de livros no centro da cidade, Bruce e Diane gostavam de aproveitar o máximo do sol para os afazeres diários, Ryan e Caitlin sairiam em busca de um novo lar e Justin e eu tínhamos que deixar as crianças na escola. Ela parecia entretida demais com sua panqueca para notar que eu fora a única companhia que lhe restara, mas não ficou surpresa ao ouvir minha voz:
— Já sabem onde começar a procurar pelos apartamentos? — falei aleatoriamente.
Caitlin me encarou.
— Não. — Respondeu seca, baixando os olhos logo em seguida.
— E vão dividir?
— Sim.
— Você está ansiosa com isso?
— Não.
— E já conversou com seus pais sobre?
— Não.
— Hm. O clima parece agradável aqui, não é?
— Sim.
— E vocês dormiram bem?
— Sim.
— Vai me perdoar?
Ela se deteve assim que abriu a boca para responder no automático, direcionando-me um olhar insondável. Comecei a balançar a perna de nervoso conforme o tempo passava. Não relaxei quando ela respirou fundo.
—Não tem o que perdoar, Faith.
—Mas você ainda está brava comigo.
Caitlin finalmente afastou seu prato e direcionou toda sua atenção para mim, cruzando as mãos em cima da mesa.
— E você também não estaria? Entenda Faith, depois de tudo o que ele te fez não consigo acreditar que tenha coragem de se colocar na mesma posição. Na verdade, em uma posição pior ainda — olhou significativamente a sua volta — Eu sei que você aceitou morar aqui, mas também sei que, embora ficar nos Estados Unidos seja perigoso, por causa de seu envolvimento com ele —  destacou —, você poderia arrumar outra coisa. Não gosto da ideia de ver vocês juntos, e desde o princípio soube que vocês não manteriam apenas uma amizade. É só que... É um pouco frustrante tudo isso. Você pode pensar que não é da minha conta, só que eu cuido daqueles que eu amo.
Ela pareceu pasma que eu estivesse sorrindo.
— Foco, Faith. Pelo amor de Deus, você tem crianças de altura acima da sua cintura te chamando de mãe!
— Eu sei. E não é como se eu não estivesse com medo, porque eu estou assustada pra caralho — contive a vontade de roer as unhas — Mas, Caitlin, ele está diferente — levantei a palma da mão, impedindo que ela me interrompesse — e eu o amo. Posso muito bem estar cometendo um erro de novo, e só posso descobrir isso se tentar. Chegamos nesse ponto. Minha segurança também depender dele, por hora. Não consegui evitar que meu coração também interferisse, e resistir me parecia errado. Por favor, você precisa entender — estendi minha mão para a dela, e aproveitei sua inércia para segurá-la —, eu preciso de você.
Mais um tempo razoável de um olhar inseguro e pedincho da minha parte até que Caitlin fizesse uma careta de contradição.
— Não vou abandonar você. Mas se ele partir seu coração outra vez eu vou pegar os cacos e enfiar um por um no rabo dele, depois te dar uma sacodida no cérebro pra ver se seus miolos finalmente voltam para o lugar.
Gargalhei, uma mente fértil como a minha não tinha dificuldade de imaginar uma coisa daquelas. E sim, ela riu comigo, o que foi um conforto pra minha alma. Além de Justin, eu só teria a ela e Ryan outra vez, cada um era responsável por alguma parte de mim. Eu necessitaria de todas para poder me fazer inteira.
Interrompendo o momento, Jazzy e Jaxon entraram na sala de jantar fazendo barulho com mochilas nas costas, e logo atrás deles, estava o dono dos meus sorrisos. Ele notou com satisfação minha interação com Caitlin.
— Posso saber do que estão rindo?
Eu e ela nos entreolhamos antes de rir outra vez.
— Não é adequado para se dizer na frente de crianças — Cait sorriu venenosa, e repentinamente fechou a expressão — Eu acho muito bom você andar na linha, Justin Drew Bieber. Vou infringir várias normas dos direitos humanos se precisar entrar em ação contra você.
Ele assentiu solenemente.
— Se alguma coisa acontecer a ela, eu mesmo facilitarei os meios pra você.
— Muito bem — me levantei da mesa, pegando meu prato — É agradável que demonstrem carinho por mim falando sobre tortura, mas as crianças vão perder a hora.
Já que havíamos feito às pazes, Caitlin e Ryan permitiram que eu os acompanhasse na busca por um apartamento, assim, fomos os quatro para a escola. Jazzy deu a mão para mim e para o Justin quando descemos do carro, já Jaxon preferiu andar na frente de braços cruzados, reclamando do quanto meninas são “moles”. Olhei para seu irmão mais velho por uma fração de segundos e ele captou meu olhar. As mãozinhas de Jazzy passaram uma corrente de euforia diferente, entendi que o sentimento não partia apenas dos estudantes mirins, aquele momento tinha um aspecto de perpetuidade. Aparentemente, éramos um casal comum conduzindo seus filhos ao primeiro dia de aula, e o impacto daquilo, por mais que não fosse verdadeiramente a realidade, acelerou meu ritmo cardíaco.
Fui puxada de volta a realidade quando Jazmyn me abraçou.
— Se lembra de não desligar o celular e deixa ele perto de você, eu posso te ligar. — Não conseguimos convencê-la de que seria melhor deixar o aparelho em casa, Justin foi quem deu a palavra final. “Só hoje, para lhe dar segurança”, dissera. Eu tinha a impressão de que aqueles dois seriam mimados ao máximo pelo irmão mais velho.
Ajoelhei-me e fitei seus olhos ansiosos.
— Eu sei que vai ficar tudo bem. Lembre-se de só usar em casos extremos, certo? Você é maravilhosa, Jazzy, vai se sair muito bem.
Jaxon preferiu parecer indiferente, mas senti sua tensão quando me abraçou. Dei-lhe um beijo na bochecha com a promessa de que logo estaríamos de volta para buscá-los. Mas foi Justin quem pareceu mais apreensivo quando os deixamos nas mãos da funcionária sorridente de avental rosa. Eu jurava que despejaria alguma ameaça no intuito de motivá-la a cuidar bem de seus irmãos, então envolvi seu braço ternamente no meu. Observamos os dois até que desaparecessem atrás dos portões azuis, acenando freneticamente. Não fiquei surpresa que fossem tão corajosos quanto Justin. No meu caso, Eleanor me dissera que eu chorava amargamente todas as vezes que as aulas começavam, mais intensamente quando me mudavam de turma ou escola.
— Eles vão ficar bem — afirmei ainda sem olhar em seu rosto, dando-lhe o tempo necessário para que se recompusesse.
— Essa escola é frequentada por crianças relacionadas aos Cavanagh, então o esperado é que estejam.
— Espera — arfei —  É uma escola de...?
— Não. É uma escola financiada e supervisionada por eles, mas o ensino não difere de outras. Quer dizer, é melhor.
— Hm. Que bom, eu acho.
Uma mulher de vestido vermelho se ajoelhou a nossa frente segurando os bracinhos finos de um menino em lágrimas silenciosas. Ela sorria pra ele com incentivo, falando energeticamente. Dava para notar que sofria quase tanto quanto a criança, despedaçada em deixá-lo ali naquele estado. Pelas semelhanças dos rostos quadrados e queixos pontudos, não se podia ao menos duvidar de que era sua mãe. Assisti a cena distraída, comovida pela emoção dos dois. Acabei me lembrando de Eleanor outra vez e imaginei o que estaria sentindo agora que tinha uma filha fugitiva com um namorado de origem duvidosa.
Flagrei Justin me encarando.
— Eu sabia que apenas você podia me transformar nessa pessoa — girou-me de frente para ele e tomou meu rosto com uma das mãos, levantando para que ficasse quase na mesma altura do seu. Vi-me refletida em sua íris líquida que me capturava como se eu fosse uma abelha atraída por aquele mel — Estamos mesmo parecendo uma família.
Involuntariamente, as pontas dos meus lábios tentaram alcançar minhas bochechas.
— É incrível que você não tenha dito isso com depreciação.
Arqueou a sobrancelha.
— Você duvida que eu queira formar uma família com você, Faith Evans? — engasguei com um bolo de sentimentos, e ele sabiamente não me esperou responder — Parece que vou ter que te provar algumas coisas durante esse tempo no Canadá.
— Esse tempo?
Tinha quase certeza de que ele franzia a boca para fazer charme enquanto pensava.
— Talvez pudéssemos nos mudar para outro país mais para frente. O que acha da Inglaterra? — aquela também não era uma pergunta para responder. Ou talvez fosse, e eu apenas me distraí com seu rosto se aproximando do meu. Fitava seus olhos segundos antes que entreabrisse a boca e a colasse na minha.
— Acho que as crianças não estão apreciando muito o show, se me permitem dizer — Caitlin pigarreou.
Realmente nos deparamos com alguns rostos franzidos, em parte de alguns pais indignados. Escondi meu rosto no peito de Justin e senti seu peito vibrar com a risada breve.
— Tudo bem, já podemos ir andando. Não queremos que alguém pegue antes nosso apartamento perfeito — Ryan disse.
Justin me apertou um pouco contra ele.
— Claro, eu também já tenho que ir. Encontro vocês mais tarde?
— Promete que não vai demorar? — o que eu queria dizer, na verdade, era que não fosse. Eu não suportava a ideia de tê-lo novamente naquele meio desumano. Me despedaçava.
— Volto a tempo de pegarmos as crianças aqui — beijou minha testa — Não faça nada de imprudente, por favor — olhou para Ryan, se certificando de que ele seria minha babá.
Cogitei fazer uma cena um tanto infantil para não deixá-lo ir, espernearia até que o fizesse ficar e depois me agarraria a sua perna como um bicho preguiça. Entretanto, apenas o vi entrar no carro e me dar uma piscadela.
Ah, Justin, o que estamos fazendo da vida?
Saber o que ele faria e aguentar em silêncio me fazia uma espécie de cúmplice? Acaso nossas vidas importavam mais do que de outras pessoas?
— O que estamos esperando? — Ryan me puxou pelo braço, exageradamente animado.
Ele havia alugado um carro, então nos enfiamos lá dentro e seguimos em busca do lugar ideal para os dois. Acabei entendendo que Ryan não se importava tanto com decoração, tamanho e até mesmo móveis, para ele bastava uma cama de casal e um chuveiro. Parei imediatamente quando minha mente começou a interpretar sua empolgação com essas coisas. Para Caitlin era outra história, nós pulávamos de um apartamento ao outro enquanto ela comparava preços, instalações, vizinhança... Eu não me lembrava de ter passado por aquilo em Minneapolis, de qualquer forma, raramente me lembrava de alguma coisa daquele tempo. Não demorou muito para que Ryan se cansasse, e afirmando uma passada no banco, nos pediu para seguir em frente com o carro, qualquer coisa conversaríamos pelo celular.
Eu e Caitlin nos sentamos na décima primeira cama que experimentávamos só naquela manhã, protelei para me levantar, um pouco cansada de toda a procura. De onde estava eu tinha visão da janela de vidro aberta permitindo a entrada dos sons da globalização, buzinas de pessoas impacientes, motores superaquecidos, ônibus públicos, alguém usando uma serra, outra com um secador ligado. Deixei-me levar pelo vai-e-vem do centro da cidade, dando liberdade para todos os tipos de pensamento que quisessem aflorar.
— É complicado, não? — Cait chamou minha atenção, de volta ao quarto, encostara-se ao batente da porta e me analisava.
— Encontrar o apartamento certo? Sim, um pouco.
Ela caminhou lentamente até mim, sentando-se ao meu lado.
— Bom, isso também. Acho que é pior ainda quando se trata de uma coisa tão nova. Quer dizer, dividir apartamento com um namorado? Isso parece algo bem sério a se fazer — refletiu um pouco distante.
Eu sabia que toda a sua indecisão não tinha a ver somente com as acomodações.
— Está arrependida? Você sabe que pode morar na casa da família do Justin.
Seu olhar me taxou de desmiolada. Pelo menos eu tentei.
— Não posso estar arrependida de algo que ainda não fiz — suspirou — Estou um pouco nervosa, mas também determinada.
Movi a cabeça.
— Não precisa ser uma coisa perpétua também.
— Claro. De qualquer forma, não era sobre isso que eu me referia. É complicado se permitir ser feliz em meio ao caos. Parece que sempre vai ter alguma coisa contra para tentar te colocar pra baixo de novo.
Suspirei, encarando o vazio.
— Nem me fale — eu estava tentando bastante não enumerar as razões para me deprimir.
— E às vezes parece errado ser feliz em momentos desses.
Fiz que sim, sentindo uma porta se abrir dentro de mim. Eu sabia que ficar longe de Justin não seria uma boa coisa, ele tinha o dom de me fazer esquecer coisas assim.
— Além de tudo, eu fico pensando que eu não tinha direito. — Caitlin me esperou completar sozinha, e eu o fiz — Annelise. Eu realmente a detestava. Mas a ideia de que eu fui responsável em terminar com a vida de alguém... — estremeci, mordendo a boca para segurar aquele impulso tão vulnerável.
— Eu entendo. Eu quebrei o pescoço de um daqueles caras e... da mãe de Wren. Acho que um dos pontos positivos de estar aqui é não precisar mais olhar pra ele. Não sei se aguentaria ver os traços dela e lidar com a culpa de ter causado um vazio em sua vida.
Ficamos em silêncio. Senti sua mão em meu rosto.
— Espere só até eu contar para o Justin que você chorou a morte da ex dele — brincou, tentando deixar o clima mais ameno.
Enxuguei meu rosto rapidamente com um sorriso forçado, o que não adiantou em nada a forma como eu me sentia por dentro.
— E deixa eu contar pro Ryan que você chorou por causa de outro cara.
Ela riu. Se aquilo pudesse ser classificado como uma risada.
Quando respirou fundo, entendi que decidira mudar de assunto.
— Ok, e como vai fazer com seus pais agora?
Relaxei as costas, encurvando os ombros sob o peso de toda aquela responsabilidade. Olhei o celular na minha mão com remorso, vendo outra vez o montante de mensagens não respondidas e ligações ignoradas. Claro, a solução de Ryan não duraria para sempre.
— Não sei. O que vai fazer com os seus?
Deu de ombros.
— Não preciso exatamente fazer alguma coisa. Vou ligar e avisar que estou morando no Canadá, simples.
Dei-lhe uma olhadela descrente.
— Não me julgue, você nem falar com os seus pais quer.
Apoiei o rosto na mão, infeliz. Deixar minha família com a angustiante ignorância me garantiria um lugar na lista de filhos mais desnaturados do mundo. Entretanto, eu não tinha ideia de como resolveria aquela questão. Fato incontentável: eu não podia voltar aos Estados Unidos. Ossos do ofício: eles não podiam simplesmente abandonar tudo e mudar de país quando lutaram tanto para manter. Solução e problema: convencê-los de deixar as coisas como estavam.
— Vamos fazer um trato, eu ligo para os meus pais agora e você para os seus. Assim damos coragem uma a outra.
Encarei seus olhos com resistência. Choraminguei e me joguei de costas na cama. Bufei e me sentei novamente.
— Não tenho outra escolha mesmo.
E que comecem os jogos. Mais uma vez. 

sexta-feira, 4 de maio de 2018

One Love 38

Era quase verão no Canadá, o clima agradável despertara nas árvores a vontade de florescer, toda a natureza entrava em jubilo com a chegada do calor reconfortante que trazia vida. Parecia cômico que até mesmo o cemitério exibisse cores vívidas em contraste com os túmulos cinzentos.
Justin cuidou de toda a burocracia do enterro, sem ao menos que eu pedisse, logo depois de me encontrar abraçada ao corpo frio de Maya no terraço, quase tão banhada de seu sangue quanto ela. Ouvi vagamente quando afirmou ter eliminado os outros comparsas de Annelise, e nos tirou de cena quando o poder público chegou. Pensei que teríamos que responder novamente perguntas para as autoridades, mas um homem bem vestido que brotou minutos depois cuidou dessa parte, em algum canto da minha mente eu soube que era algum funcionário dos Cavanagh. Resisti em me afastar de Maya, mas Justin me abraçou pela cintura e me arrastou habilmente. Abalada como estava não lutei contra ele. Acompanhamos de longe o processo de retirada do corpo e depois seguimos a ambulância até o hospital em absoluto silêncio.
Caitlin e Ryan desceram direto no cemitério de mala e tudo logo pela manhã, e eu tentei sorrir pela consideração dispensada. Sabia que Caitlin não gostava muito de Maya, e ainda assim ali estava, expressando uma comoção condoída em sua fisionomia. Não demorou muito, eu disse algumas palavras para honrá-la, confessei que sentiria falta de toda sua energia cativante e lamentei que nos fora roubada a oportunidade de sermos grandes amigas. Você não foi uma fracassada, Maya, venceu na vida. Fiz uma prece fervorosa por sua alma e quando toda aquela carga emocional negativa forçou meus ombros para baixo, o braço firme de Justin me firmava contra seu corpo sólido. Escondi a cabeça em seu peito, me isolando de todo o mundo, escolhendo não ver mais nenhuma ofensa que a vida quisesse me fazer agora. Parecia injusto tanta desgraça acontecer com uma pessoa só.

Ajeitei minha saia mais uma vez em minhas coxas, perguntando-me se não estava curta demais. Justin estava colocando seu cinto para que pudesse ligar o carro, mas isso não foi um empecilho para que visse meu tique nervoso.
— Voltamos a nos preocupar com coisas banais?
Passamos o dia anterior todo em luto. No intuito inútil de evitar lembranças, nos hospedamos em outro hotel, mas eu não quis sair do quarto. Recusei todas as ligações da minha família até que parassem de ligar — o que foi possível graças a Ryan que disfarçadamente atendeu Caleb em seu próprio celular.
— Ela está bem, mas não muito a fim de conversar agora. Eu sei, cara. Não posso fazer isso. Mantenha a calma — ouvi seus sussurros tranquilizantes através da porta.
Ryan e Caitlin esperaram que Justin desse sinal de vida — o que aconteceu depois que deixamos o hotel — para entrarem no jatinho com todas as malas que levamos de Minneapolis para Boston. Ryan dissera que foram embora na surdina para evitar perguntas. Mas é claro que Caleb sabia que estávamos juntos. Caitlin me atualizou sobre a situação de Wren, ele chegara em casa por volta das oito e não saíra de lá.
E tinha mais essa, meu coração se partia por sua situação, pelo menos ele não seria acusado criminalmente — ou apenas tinha liberdade provisória? De qualquer forma, já era um choque e tanto descobrir que seus próprios pais desejavam a morte de seus amigos para perdê-los logo em seguida. Agora ele estava sozinho naquela casa grande cheia de lembranças. Lembrava-me muito bem do seu apoio enquanto eu passava por um luto de alguém que conhecia a menos de um ano, aguentara toda minha mudança de humor com paciência, e agora ele quem atravessava a transição difícil de luto, e pior, das pessoas que foram seu amparo por toda a vida. Contudo, ali estava eu, longe demais para poder retribuir sua gentileza — me preocupava ainda que duvidasse da minha capacidade de fazê-la devido ao meu abalo emocional despreparado para ouvir o nome dos Peters sem ter um arrepio de ressentimento.
Naquele dia, Justin veio com a ideia de nos colocarmos enfim a caminho de Toronto, e não encontrei motivos para contestar. Assim que me olhei no espelho, entretanto, me arrependi. Passei toneladas de maquiagem para esconder alguns hematomas que ganhei de Annelise, e Caitlin me ajudou com isso. Não seria muito adequado conhecer a família de Justin parecendo um trapo, por mais que essa fosse minha sensação de ser no momento.
— Um amante de ternos banalizando algo tão crucial quanto vestimenta? — subi um pouco minha camiseta branca de alcinhas, diminuindo o decote.
— Até onde sei, você não é um terno.
Demorei dois segundos para entender a mensagem subliminar, imersa na confusão de pensamentos que minha mente se tornara — talvez eu ainda precisasse frequentar um psicólogo —. Sorri, inclinando a cabeça.
— Voltamos a usar cantadas fáceis? — debochei, embora estivesse comovida. Quando estávamos apenas nos conhecendo, recebi uma amostra de sua criatividade para inventar flertes e sempre me regozijava em todos.
Imaginei que receberia um sorriso maior de sua parte em resposta, mas gradativamente assumiu uma seriedade inquieta.
— Eu seria estúpido se não passasse todo o tempo possível te lembrando o quanto é importante para mim — segurou meu queixo entre os dedos, olhando cada parte do meu rosto — Por uma fração infinita de segundos pensei que te perderia na madrugada de domingo. Foi aterrorizante o sentimento de impotência... — engoliu em seco quando a voz sumiu — Eu não podia atirar nela com a certeza de que não te acertaria, vocês estavam juntas demais e mudando rápido de posição. Faith, eu vi meu coração ser arrancado do meu peito e espremido na frente dos meus olhos. Se eu te perdesse... morreria. Se sua ausência não me matasse, a culpa com certeza o faria. Eu não sou capaz de te dizer o medo que me fez sentir — franziu a testa — Só de lembrar...
Justin parou de falar, perdendo-se dentro das emoções que me descrevia. Posicionou a mão esquerda firmemente em minha cintura, inclinando-se sobre o câmbio do carro. Seu olhar correu sobre mim quase com a mesma força de seus dedos, percorrendo minha pele desvairadamente, na ânsia de constatar que eu realmente estava ali. Percebi sua respiração perder um pouco do compasso durante o processo.
— Está tudo bem — garanti delicadamente, tocando seu rosto.
Isso chamou sua atenção de volta aos meus olhos, e tive visão completa da vulnerabilidade que o infligia, deformando toda a sua expressão como eu nunca vira antes. Fiquei ansiosa para livrá-lo daquele mal e me icei para beijá-lo. Não foi o beijo urgente que eu estava esperando, mas meticuloso o bastante para aproveitarmos a identidade um do outro. Seus lábios tão quentes e macios nos meus me entregavam de pronto toda sua essência. Todo o seu carinho sobressaindo-se ao desejo fácil e banal. É fácil beijar alguém e sentir os hormônios pipocarem na pele, o difícil é encontrar nessa intimidade o significado divido de amor, uma entrega íntegra e confiante.
— Meu Deus... Não — Caitlin regurgitou.
Fiz menção de me afastar depressa, mas Justin pressionou nossos lábios duas vezes mais antes de recuar com um sorriso e afagar minha nuca.
— Esse é o meu garoto! — Ryan aprovou, sentando-se espalhafatosamente no banco traseiro ao lado de Caitlin, descansou o braço nos ombros dela.
Olhei para os dois pelo retrovisor, não havia me esquecido da última conversa aberta que tivemos sobre uma possível volta de Justin e eu. Caitlin repudiara a hipótese com todas as forças, enquanto Ryan não escondera a desaprovação, mas afirmava me apoiar no que eu quisesse. Depois debochara sobre o fato de ter beijado Justin na sexta-deixa estar explicito em minhas feições, e eu suspeitava que talvez tivesse comentado com ela mais tarde, ou ela mesma se dera conta ao perceber nossa sintonia no dia anterior — embora mal tivéssemos nos tocado. Porque se nos flagrasse em um beijo sem estar preparada para a informação, com certeza se recusaria a entrar no carro e não olharia na minha cara por horas. Talvez Ryan tivesse conseguido convencê-la a pegar mais leve comigo também. Ou talvez ela desistira de brigar comigo em respeito ao que me acontecera nas últimas quarenta e oito horas. Porém, apesar de não fazer cena, Caitlin voltava seu rosto todo para a janela. Ryan me deu uma piscadela.
Justin ligou o som, trocando rápido as estações, só era necessário um segundo da melodia para reconhecer o estilo musical, e como seu gosto musical era meio limitado, ficava difícil achar uma que o agradasse. Depois de algum tempo, guitarras furiosas preenchiam o silêncio do carro.
— Vocês viram que o Metallica estava em Minneapolis na sexta? — Ryan comentou, distraído.
— Faith sabe disso, foi o concerto que Rafael te convidou, não é? Ah, espera, Justin também deve saber sobre, ele é quem estava dando dicas de conquista para o Rafael.
Houve um silêncio estranho, exatamente como Caitlin pretendia. Afinal ela não estava tão compadecida como pensei.
— Pode ter certeza de que ele não está convidado para o próximo.
Sorri para ele, surpresa de forma positiva com sua maturidade em lidar com aquilo. Depois disso, Caitlin fez voto de silêncio. Demoramos em média meia hora para chegar ao nosso destino, uma empolgação notável tomava conta do motorista conforme avançávamos, começou com um tamborilar disfarçado no volante, depois cantando baixinho algumas músicas, e então um show completo para mim, me direcionando sorrisos e tentativas de me fazer cantar junto.
— Não é possível que você não goste de Megadeth.
Joguei minhas pernas para fora do carro, balançando a cabeça.
— Não é porque gosto de rock que sou obrigada a gostar de todas as bandas.
Olhei a casa intimidadora a minha frente. Depois de acionar o controle remoto em seu bolso para abrir o portão de ferro, Justin seguiu com o automóvel pela entrada de pedra cortada ao meio por uma fonte pequena redonda ladeada de arbustos proporcionais, o jardim estendia-se dos dois lados, ostentando as mais diversas flores bem cuidadas e umas quatro árvores enormes, trazendo um aroma natural agradável na brisa. E então as paredes de tijolos cinza emolduravam a casa de dois andares, aquela estrutura dava a impressão de que era uma junção de três casas; as duas da ponta se pareciam muito com meus desenhos infantis de como uma casinha deveria ser, o telhado uma espécie de V de ponta para baixo com pernas bem abertas; a do meio estava mais para um casarão com dois chifres — que deviam ser parte de lareiras —.  O telhado na parte da entrada era praticamente um triangulo obtuso sustentado por quatro pilastras no estilo império romano. Incontáveis janelas de vidro, grandes o suficiente para que um ser humano passasse por elas sem muitas dificuldades, convidavam a um interior ainda mais glorioso do que a fachada. Mantive meus olhos longe destas, com receio de encontrar alguma silhueta, mas ouvi o similar riso infantil ecoar dali de dentro. Pensei de imediato em Maxon/Jaxon e Yasmin/Jazmyn, o que me deixou um pouco mais animada.
Não o suficiente para arranjar forças em me apoiar nas pernas. Justin havia estacionado bem em frente à porta, as escadas de mármore prometiam me levar em segurança até lá.
— Você quer que eu te carregue? — Ryan ofereceu. Nunca dava para mensurar o quanto do que ele falava era brincadeira, então visualizei a humilhação que seria e me coloquei em pé.
Demorei muito mais do que o necessário para fechar a porta e Justin me estendeu a mão, transmitindo a confiança que me faltava.
Abriram a porta da casa antes que chegássemos perto o bastante para bater, chamar, ou Justin simplesmente usar uma cópia da chave — se ele tinha uma do portão, previsivelmente tinha uma da porta —. Uma mulher alguns centímetros mais baixa do que eu envolveu Justin num abraço antes que eu pudesse ver seu rosto, escondida em seu peito largo e nos próprios cabelos negros, lisos e longos, murmurou numa voz comovida e aguda:
— Você voltou!
Justin hesitou em passar os braços ao seu redor, ele não era muito acostumado a demonstrações de carinho vindo de outras pessoas.
— Eu disse que voltaria.
Não precisei de mais para entender de quem se tratava. Meu coração acolheu a emoção daquele reencontro e contive um nó na garganta. Aquilo se tornara uma das minhas metas na vida, nada poderia pagar a felicidade de vê-lo onde realmente pertencia, nos braços da mãe. Embora tivesse aparência jovem demais, dava para notar o elo familiar exalando na forma como os dedos dela agarravam a camisa dele até os nós ficarem brancos, o corpo todo projetado na ânsia de trazê-lo de volta a proteção de seu útero. Senti-me uma intrusa e quis recuar devagar até desaparecer.
Justin desvencilhou-se delicadamente, inclinando o corpo para me dar visibilidade. Parei de respirar quando os olhos grandes azulados, calorosos e chorosos pararam em mim.
— Você deve ser Faith — disse com o sorriso materno ainda no rosto enquanto passava as mãos rapidamente embaixo dos olhos.
Antes que eu pudesse dizer alguma coisa, também ganhei um abraço.
— É uma honra conhecê-la — disse contra os fios cheirando a rosas em meu rosto.
— Eu que o diga! Jazmyn e Jaxon só falam de você e seu casamento com Justin.
Corei, tão nervosa em atender as expectativas de alguém como nunca estivera. Além do obvio, Patricia não parecia uma pessoa que quiséssemos decepcionar.
— Aliás, você é realmente muito linda — fez uma avaliação sutil de mim.
— Digo o mesmo — tentei ver suas verdadeiras conclusões na fisionomia, mas acho que ainda era muito cedo para concluir alguma coisa. Eu ficaria no processo de deliberação por algum tempo. Pelo menos ela não me odiara à primeira vista.
Atrás de Patricia, Justin analisava nós duas com certa satisfação, mal se esforçando para esconder o sorriso de canto. Ryan e Caitlin se saíram melhor nos cumprimentos e todos fomos convidados a entrar.
— O jantar está quase pronto. Minha mãe e eu estamos fazendo salmão defumado com xarope de Maple. Vocês gostam? Bom, aposto que não experimentaram o xarope de Maple, mas vão adorar. Papai está dando atenção às crianças. Vocês já não querem descer as malas? Ou podemos apresentar a casa primeiro. Ela não é incrível? Justin insistiu em comprá-la e não aceitou não como resposta — dirigiu um olhar afetuoso ao filho. Eu bem que a estava achando mesmo a cara dos Biebers — Talvez queiram conhecer Diane, Bruce e as crianças antes...
Quase não conseguimos acompanhar o despejo ininterrupto de suas palavras, bruscamente cortadas por uma sirene que chamava meu nome. Vi Yasmin correndo até o hall antes que seu corpinho se chocasse contra o meu.
— Ei! — abracei-a, de repente mais sentimental do que já estava. Ela apertou minha barriga até me deixar sem fôlego — Eu estava com saudades de você!
— Eu também! Sabia que algum dia você ia querer me adotar! Agora a gente pode brincar todo dia! Foi legal trazer ele também — apontou para Maxon pendurado nas pernas de Justin — Mas podia ter escolhido a Emily — cochichou.
Eu ri enquanto os dois trocavam os alvos de seus carinhos.
— Essa casa é super legal, Faith! — Maxon começou a dizer em sua voz rouquinha — Pattie disse que tinha que pedir pro Justin se os outros meninos do orfanato podiam vir aqui fazer uma visita. Por favor? — juntou as mãozinhas.
Justin meneou a cabeça.
— Quem sabe?
— Esses são nossos amigos Ryan e Caitlin — mudei o assunto. Os dois abriram sorrisos bem acolhedores, o que eliminou qualquer sinal de carranca da expressão de Caitlin. Apesar disso, Yasmin e Maxon se limitaram a um cumprimento tímido de aperto de mão quando incentivados por mim.
— Você deve ser Faith! Bem vinda! — a voz que repetia a mesma saudação de Patricia era bem mais grossa e falhada do que a dela, provinha de um homem idoso, parcialmente calvo, corpulento e com o rosto um pouco avermelhado. Suas rugas contribuíam para o ar especial de conforto e jogos de xadrez, aquele aroma familiar que todos os avós tem. Bruce, então. A diferença entre ele e George era discrepante.
— Você deve ser Bruce — estendi minha mão, sentindo-me um pouco como as crianças segundos antes
— Ei, rapaz — ele puxou Justin para um abraço camarada com direito a tapinhas nas costas — Uma presença masculina fez falta por aqui.
O homenzinho de oito anos pareceu ofendido por ser desconsiderado, cruzando os braços com uma cara feia.
— Além de você — acrescentou, afagando vigorosamente a cabeça loura do menino — Precisávamos de mais gente no time, agora temos mais dois.
— Yes! — Maxon puxou o cotovelo como uma comemoração típica de um jogador — E agora Faith pode fazer companhia pra ela.
Yasmin mostrou a língua ruidosamente para ele, depois cruzou os braços cheia de razão.
— Fui eu que te disse que o casamento tinha dado certo!
— Só porque eu fui o padre!
— Vocês meninos nem queriam fazer, a ideia foi das meninas!
— Não interessa. Eles adotaram nós dois!
— Eu disse que a Faith seria uma ótima mãe!
— E eu disse que o Justin seria um ótimo pai!
Observamos num silêncio cômico a disputa de honra dos dois sem saber ao certo se deveríamos interferir. Yasmin agarrou meu braço com energia e pensei que me seria dado um ultimato para escolher quem era o mais brilhante.
— Preciso te contar um segredo.
Maxon pareceu ofendido e segurou meu outro braço.
— Eu vou contar!
Cedi a força dos dois, me inclinando. Em uma harmonia perfeita sussurraram o mais baixo que podiam cada um em um ouvido:
— Justin nos deu nomes novos!
— Eu sou Jazmyn.
— Agora eu sou Jaxon.
— Nosso sobrenome é Bieber — Yas... Jazmyn acrescentou muito satisfeita — Eu perguntei se não podíamos colocar o Evans também.
Dei um sorriso comovido, ignorando a careta de Max... Jaxon por ela ter contado do sobrenome, tirando-lhe o privilégio.
— Então não esquece. Chama a gente pelo nome certo — ele instruiu, levantando o dedinho.
— Jaxon e Jazmyn?
— Sim! Não é legal que nosso nome comece com a primeira letra do nosso pai?!
— Claro, poderia ser com F também — Jazmyn acrescentou em tom conciliador a fim de não ferir meus sentimentos.
— Acho que Faxon e Fazmyn não ia ficar bonito — Jaxon franziu o cenho.
Todos a nossa volta riram, e não fui uma exceção. Aquela conversa era tão privada quanto um pronunciamento do presidente dos Estados Unidos. Jazmyn fez um sinal repreensor de silêncio para seu irmão.
— A gente ganhou uma avó muito legal, e dois bisavós também — Pattie e Bruce pareceram ter ganhado o dia com aquelas palavras, abraçaram-se de lado.
— Muito bem, crianças, o que acham de deixarmos eles conhecerem a casa e Diane agora?
— Eu mostro!
— Eu também!
Fui puxada pelas duas mãos casa a dentro, a qual se abriu majestosamente aos meus olhos. Seu interior era claro e vivo, fui recepcionada por uma sala de quatro sofás longos, alguns quadros e pequenos vasos de flores espalhados aqui e ali, cada canto possuía um detalhe das mãos cuidadosas de Patricia. Atravessamos um corredor decorado com retratos enormes de família, e a velocidade que seguíamos não pude observá-los muito bem, mas eu tinha certeza de que Justin aparecia em pelo menos dois deles.
— Diane! Nossa mãe chegou!
A senhora de cabelos grisalhos até os ombros e uma franja bem penteada na testa — que acompanhava óculos quadrado na frente dos olhos — me fez lembrar uma espécie de Velma mais envelhecida de Scooby-Doo. Seu sorriso caloroso, entretanto, dava a certeza de seu parentesco com Patricia. Ainda tentava processar o “nossa mãe” tão espontâneo de Jazmyn quando Diane, tão pequena naquela cozinha moderna, enxugou a mão no pano de prato em seu ombro antes de estendê-la para mim.
— Muito prazer, minha querida.
Mal tive tempo de sorrir e já fui guinchada para todos os cantos da casa com móveis visivelmente novos. Jazmyn e Jaxon mostraram uma empolgação ainda maior quando me levaram à sala de cinema, área da piscina, um mini campo de futebol, a cama elástica gigante posicionada com cuidado longe da piscina — quando pensei que não caberia mais coisas atrás da casa —, a sala de jogos (tão numerosos que imaginei que eles não conseguiriam jogar tudo em menos de sete anos) e então o quarto de cada um no segundo andar.
Presenciei mais uma discussão para decidir qual dos dois eu veria primeiro, mas sabiamente argumentei que podíamos ver na ordem do corredor, Jaxon deu pulinhos e se apressou em abrir a porta. Onde quer que eu olhasse tinha alguma coisa do Homem Aranha, além do papel de parede inteiro e uma cama personalizada para se parecer com uma teia de aranha, ele tinha uma televisão a sua disposição, um vídeo gama e incontáveis brinquedos espalhados nas prateleiras.
— A sacada ficou trancada porque um dia eu disse que pularia daqui até a cama elástica — explicou, juntando a mão e mexendo os dedinhos em sua expressão maléfica.
Eu ri, mentalmente parabenizando os responsáveis por não subestimarem a criatividade e coragem daquela criança. Ele deixava as monitoras loucas quando se jogava do alto de escorregadores, casinhas de parque e balanços quando estes atingiam o ponto mais alto.
— Não é legal? — girou de braços abertos no meio do quarto — Eles disseram que quando eu me cansar do Homem Aranha podemos refazer tudo! — jogou-se teatralmente no puff vermelho próximo a uma mesa para estudos — Mas não vou me cansar nunca!  
— Legal. Agora o meu! Aqui é o quarto dos bisavós, o da Patricia é o último e aqui é o meu.
Minha visão foi ofuscada por uma onda generalizada de rosa. O quarto de Jazmyn estava equipado com as mesmas comodidades cedidas a Jaxon, substituindo alguns brinquedos por milhares de bonecas, Barbies e ursinhos. Sua cama, exageradamente grande para ela, possuía um mosquiteiro quadrado que abria dos lados como uma cortina, amarrado na estrutura que o segurava, para facilitar a entrada. Alguém imaginou que ela precisava de mais ursos, então estes dividiam o colchão com ela.
Jazmyn imediatamente me sentou em sua penteadeira com três espelhos e testou em mim suas maquiagens, afirmando que eu precisava retocar o batom, passar mais blush e um pouco de sombra. Mas eu não... E pronto. Uma cor clara, ela disse. De perto, percebeu que meu rosto parecia um pouco mais inchado do que o normal nas bochechas, mas acreditou quando eu disse que caí de cara no chão. Jazmyn não riu porque disse que acontecia com ela quase todo dia.
— Acho que minhas bonecas vão ficar mais de enfeite — me contava, procurando entre seus enfeites de cabelo um que aprovássemos — Eu já tenho nove anos, sabe? Vou fazer dez daqui uma semana. Pattie disse que vão me fazer uma festa, sabia?! Tomara que as meninas do orfanato venham mesmo. Seria muito legal. Eu ganhei um celular também, está na primeira gaveta, pode pegar. Colocaram muitos livros nas minhas estantes e disseram que tenho que revezar o celular, computador, incluindo o iPad, e vídeo game com leituras. Nossas aulas começam amanhã numa escola aqui perto. Só não fomos hoje porque era dia de receber vocês. Patricia vai me levar para furar as orelhas no fim da tarde amanhã, você podia ir junto. Não fala que eu contei, mas Justin disse que Jaxon também pode furar se quiser. Aqui! — ela prendeu uma parte de cada lado do meu cabelo com um laço cor de rosa.
— É pra já! — Jaxon entrou correndo de volta no quarto — Eles estão chamando para jantar — balançou um walkie-talkie na mão — Essa casa é tão grande que a gente acha mais fácil falar assim. E divertido!
Descemos os lances de escada rápido demais, eles gostavam da comida de Diane. Justin ergueu a sobrancelha inquisitivamente para mim quando entramos na sala de jantar, não de modo repreensivo, mas quase zombeteiro, provavelmente da minha falta de ar aparente.
— Uau — falei sem emitir som, referindo-me a energia dos pequenos. Toda aquela novidade os deixava mais agitados do que o normal. Tive o máximo de informação que um cérebro podia receber em poucos minutos.
Justin deu uma risadinha.
— Depois que você ver, me mostra o seu quarto com Justin? — Jazmyn pediu, sentando-se ao meu lado na mesa.
Troquei um olhar com ele do outro lado.
— Hmm...
— Certo, agora é a hora de nos concentrarmos em comer, crianças, vamos lá — Pattie disse — Vamos fazer a oração de agradecimento? Não esqueçam de juntar as mãos. Você quer tentar, Jaxon?
Jaxon fechou os olhos e abaixou a cabeça sobre as mãos unidas.
— Senhor Jesus, obrigado pela comida. Amém.
Respondemos com um uníssono “amém” entre sorrisos tocados.
— Então, como foi a viagem? Aposto que estão cansados.
Percebi que Patricia pensava que havíamos acabado de chegar ao Canadá e quase fiquei apavorada.
— Foi ótima, bem tranquila, obrigado — Justin respondeu tranquilo — E essa semana, foi tudo bem?
Patricia estava prestes a responder quando Jazmyn tomou aquela pergunta como sendo para ela e discorreu detalhadamente os dias maravilhosos que tivera com sua nova família. Jaxon também quis participar, e pronto. O jantar fora monopolizado pelas crianças. Sorríamos, ríamos e murmurávamos palavras de incentivo para que não pensassem estarmos desinteressados. No fundo, eu estava grata que adiassem um pouco mais uma real conversa que eu pudesse ter com os familiares do homem que eu amava. Eles pareciam sinceramente legais, mas eu ainda tinha medo de dizer a coisa errada.
Quando finalmente terminaram de comer e passaram a se entediar de ficar na mesa, eles se levantaram e nos convidaram a ir junto. Eu estava prestes a me levantar e ir atrás de uma Jazmyn impaciente quando Patricia interviu.
— Vocês se importam se ficarmos conversando com eles um pouquinho? Prometo que daqui a pouco os dois sobem e ajudam vocês com os preparativos para dormir. Enquanto isso podem brincar um pouquinho, teremos uma conversa de adultos aqui embaixo.
As palavras "conversa de adultos" pareceu espantá-los imediatamente.
— Esperamos vocês lá em cima! — e desapareceram de vista.
Eu mesma fiquei inquieta com a “conversa de adultos”. Será que Patricia pretendia me perguntar quais eram minhas intenções com seu filho? O que eu tinha de oferecer a ele? Por que me achava digna de estar com ele? Em menos de um segundo havia criado mil cenas em que ela se levantava de sua cadeira, apontava o dedo para mim e me acusava de ser inadequada. Pude elencar todos os motivos que ela jogaria na minha cara, até mesmo alguns que seria impossível que Patricia conhecesse. Na verdade, quase todos eram. Afinal, havíamos acabado de nos conhecer. Ou.. ela podia ter conseguido meu nome completo com as crianças, jogara no google, e aí estava, não necessitara nem de cinco minutos para concluir que Faith Evans não se passava de uma estúpida. Toda a simpatia do começo fora só para não me espantar antes do circo estar todo armado.
Justin franziu o cenho para mim quando viu o alvoroço em meus olhos, eu esperava que só ele tivesse percebido devido a nosso nível de intimidade. Tive uma ideia, eu podia me defender devolvendo a acusação.
— Foi ele, Patricia! Foi ele quem me seduziu! Eu juro que não pretendia, mas você já viu esses olhos, e essa boca do seu filho, e o...
Parei de pensar quando Patricia me fitou.
Fodeu.